Quem me conhece sabe: sofro com rinite alérgica desde que nasci. Lá se vão 30 anos de todo o tipo de tratamento, incluindo alopatia, homeopatia, vacinas em forma de injeção, loratadina, desloratadina, nebulizador, sterilair e por aí caminha meu brainstorm alérgico. Minha vida, portanto, sempre foi cheia de "cuidados", qual o Thomas J., do Meu Primeiro Amor.
Se viajava e ficava hospedada numa pousada mais rústica, logo o nariz começava a coçar loucamente, o olho lacrimejava e tinha início a sessão de espirros intermináveis. Tudo me sensibilizava: mofo, poeira, lençol um pouco mais antigo, jornal, mosquiteiros, carpete, pelo de gato, perfume floral, mudança de temperatura. Mudar de ambiente, por sinal, era sempre tenso. Era sair da sombra e ir pro sol para começar a espirrar. Já cheguei a parar o caro no acostamento para ter minha sessão de espirros em segurança.
Na infância, a lembrança que tenho é a da minha mãe dando como primeiras instruções para as diaristas: tirar a poeira do quarto da Dany. Não sei dizer em que momento a coisa começou a melhorar. Acho que foi na vida adulta mesmo, saindo de casa, quando a gente começa a não conseguir limpar tudo com o mesmo cuidado de mãe, risos. Acho que meu organismo teve que criar vergonha na cara na marra. Aí resolvi barbarizar e arrumei dois gatos. Numa kit. O primeiro mês foi o inferno. Tomei Desalex todo santo dia, até que um dia eu melhorei.
Brinco que apostei na medicina medieval de insistir no contato até o organismo parar de entrar em colapso. Mas claro que busquei outras coisas. Fiz, por exemplo, a cirurgia de desvio de septo, que melhorou bastante minha respiração, sobre a qual eu já falei aqui. Não foi só esperar a cura cair do céu.
Tudo estava lindo, até eu me mudar para as Filipinas. O combo poluição + ar condicionado me nocauteou. Aqui faz muito calor e todo lugar tem ar condicionado sapecando no máximo. Ou mínimo. Sei lá. Só sei que você sai de um bafo de calor na rua e entra no Pólo Norte a cada ambiente interno em que resolva entrar. O ar é onipresente, inclusive em casa. Às vezes, só é possível dormir com o bicho ligado. E aí, sem perceber, comecei a desenvolver uma alergia sobrenatural nesses dois meses aqui.
A primeira crise na Ásia
No início, parecia uma gripe com muita irritação na garganta e tosse. Só que a suposta gripe não ia embora nunca e eu passei a desconfiar que a rinite poderia estar de volta. Diante dessa suspeita, o que fazer? Tomar antialérgico na gravidez me parecia um sacrilégio. Resolvi, antes, tentar a vida sem ar condicionado (eu já desconfiava que ele fosse o vilão).
Capitulei no primeiro dia. Quer dizer, na primeira noite. Dormi com a janela aberta e fui atacada por pernilongos asiáticos indóceis. E, eu asseguro, eles são da pior espécie. Deve ter sido a noite mais mal dormida dos últimos tempos. Tive de escolher entre morrer de calor ou devorada pelos mosquitos. Como também tenho alergia a picada de pernilongo, fechei a porta da varanda e escolhi morrer de calor.
Mas é claro que a coisa sempre pode ficar pior: um pernilongo maledetto ficou preso no quarto e, só de raiva, não parou de zumbizar no meu ouvido. A solução, no desespero, foi cobrir meu corpo todo, inclusive a cabeça. No calor de rachar sem ar condicionado, lá estava eu, feito uma múmia, toda enrolada a me proteger no pernilongo. E tossindo. E espirrando. João, é claro, já havia ido dormir no outro quarto há muito tempo, que ele não é besta.
Acordei decidida a marcar uma consulta com a obstetra. Eu precisava de ajuda. Ela me examinou e disse que tinha toda a cara de ser mesmo uma crise alérgica. Começou a preencher o receituário e, de repente, eu reconheci: loratadine! Não contive meu sorriso. Ela não só estava permitindo que eu tomasse remédio, como estava indicando o que eu já conheço e sei que funciona! Perguntei se era seguro para o bebê e ela disse que sim, que era um remédio baby friendly.
Bom, acho que nenhum remédio deve ser 100% baby friendly, mas a gente precisa deixar os radicalismos de lado e pensar no que é melhor. Eu já estava há mais de duas semanas sofrendo, sem querer tomar remédio. Havia chegado no meu limite. Acho que meu filho prefere me ver bem e feliz, dormindo bem, de bom humor, do que tossindo e espirrando o dia todo.
Vi que não adiantaria brigar com todo o sistema de ar condicionado das Filipinas e resolvi aceitar a medicação. Combinei com a médica de fazermos o teste por uma semana. Se os sintomas sumirem, teremos certeza de que é realmente só uma crise alérgica.
Tudo isso me faz pensar que o processo de se mudar, além de toda a questão emocional/cultural da adaptação, envolve também a parte corporal, fisiológica. Adaptar o corpo a novos ares, novos hábitos, adquirir outros anticorpos. O processo é muito mais complexo do que a gente imagina. A regência do verbo diz muito. Não é "mudar", apenas. É "se mudar". Mudar a si mesmo, o tempo todo, diante do contato com o outro - seja o outro um espaço ou uma pessoa.
Penso que fazer isso grávida é duplamente desafiador. Amplia a outridade. Enquanto espero o almoço no restaurante que fica dentro do hospital, peço desculpas ao meu filhote por não ser valente o suficiente para aguentar sem remédios. Depois penso que valentia é encarar esse duplo twist carpado cultural com ele na barriga. Você já nascerá sob este signo, meu gatinho. O da tolerância e dos mergulhos no desconhecido. Para além do grande mergulho que já é nascer.
Penso sempre em você, a cada segundo do meu dia. Agora vou deixar o café onde escrevo essas linhas para fazer um ultrassom e ver sua carinha. Dra. Henson, toda vez que escuta seu coração, diz que você é um bebê muito alegre. Eu sinto gratidão por você manter sua alegria mesmo quando eu estou um caco. Sinto gratidão simplesmente porque você existe!
Vamos nos curar da alergia, porque cada tosse deve ser um terremoto aí para você. E eu quero você bem bonitinho e faceiro!
Amo você, coisa miúda!
segunda-feira, 22 de dezembro de 2014
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
A vida em Manila #2
Passado o susto inicial, começo a transitar pela cidade com mais leveza. Olhando para trás, vejo como fiquei intimidada pela nova paisagem de Manila. Minha postura corporal, outrora de defensiva, vai dando lugar a um corpo de quem mora na cidade. De quem, aos poucos, vai se sentindo em casa. Para isso, foi importante controlar a afobação e, sem pressa, encontrar pequenos respiros, confortos. Como o parque aqui perto de casa. O mercadinho de sábado. O restaurante italiano com manjericão colhido na hora e forno a lenha. O café, a mesa-de-que-mais-gosto, o salão de beleza para fazer as unhas. Lugares onde eu não sentisse medo, enfim, e pudesse simplesmente baixar a guarda.
Cada vez mais penso que parte importante do processo é sair da vibe turista e entrar no ritmo do lugar. O turista tem uma sede absurda de conhecer tudo, de apreender tudo, tem um ritmo frenético de capturar as coisas. Eu carrego comigo essa sede. Foi assim em quase todas as minhas viagens. Mas, aqui, senti diferente.
Demorei para conseguir tirar fotos e fiquei pensando o que poderia estar por trás dessa minha falta de intimidade com a câmera aqui - logo eu, que amo fotografar tudo! Percebi que eu me sentia invadindo um espaço - qual espaço? -, "roubando" momentos de algo que eu não havia ainda compreendido bem na alma. A fotografia, neste sentido, é uma arte tão relacional, não é? Não existe objeto que não exponha o fotógrafo, que não escancare esta relação que se estabelece. Claro, acho que tem gente que fotografa no automático e nem pensa nisso. Mas eu não dou conta. Achei péssimas todas as minhas fotos das primeiras semanas aqui. E é engraçado. São fotos feitas de longe, de quem não se coloca na cena.
Me lembrei de quando participei de uma vivência com os Kayapó, em 2006. As primeiras fotos que tirei, ainda sob o olhar do exótico, também traziam essa distância. Eram crianças brincando, e eu ainda tímida, de longe, sem saber como me colocar. O olhar delas para mim era de desconfiança. Ainda não havia se estabelecido a relação de que falo. Num dado momento, deixei a câmera de lado e passei a brincar com elas. De roda, de desenhar, de um bocado de coisas. Só depois, bem mais tarde, voltei a fotografar. As fotos ganharam outra potência. Ganharam proximidade, não no sentido de lente, zoom, nada disso. No sentido de afeto mesmo. Era como se eu pudesse me aproximar da pele daquelas crianças, pudesse dançar com elas. Elas deram abertura para que eu fosse uma delas. E eu dei abertura para vê-las, de fato, como crianças.
É neste sentido que ainda encontro alguma dificuldade para fotografar pessoas por aqui. Ainda estamos tateando. Nos olhando neste jogo de espelhos, de alteridades. Acho que é uma questão de tempo. E que bom, que privilégio, ter este tempo!
Buscando essa aproximação, achei que já era tempo e me matriculei num curso de travel and cultural documentary photography. As aulas começam nesta quinta-feira. Na verdade, é um workshop de três dias, com aula teórica, saída de campo para uma cidade próxima a ser escolhida pelo professor e posterior análise da nossa produção. Estou na maior ansiedade. Depois conto aqui como foi o curso.
Escrevo e Felipe chuta forte na barriga. Ele sempre chuta em sessões de cinema, escritos, programas culturais. Fico achando lindo. Na verdade, quem faz essa projeção sou eu, claro, rsrs. O bichinho está apenas crescendo. Logo entraremos no sétimo mês. O que me deixa especialmente emotiva, porque nasci prematura de 7 meses.
Como eu reagiria se ele nascesse agora? Falta tanto chão! Como eu construí, ao longo da minha vida, este chão que me faltou, este restinho de caminhada? Fico divagando, nessa jornada intensa e doida que é a maternidade, enquanto busco minhas maneiras de pertencer ao novo país que nos acolhe.
Eu, que sempre tive como temas obsessivos a tal coragem de pertencer ao desconhecido, a poética dos abismos, do salto no vazio...vejo que, sem perceber, me lancei exatamente na corporificação destas ideias.
Gerar e carregar um filho é pertencer ao desconhecido. O medo do parto é pertencer ao desconhecido. Parir é pertencer ao desconhecido. Criar um ser humano, com todos os seus melhores valores e suas sombras, é pertencer ao desconhecido. Tudo isso fisicamente longe da sua rede de afetos, daqueles que sempre foram o abrigo-quando-o-peito-aperta...isso é duplamente pertencer ao desconhecido! É descobrir novos caminhos, novos sentidos, a cada dia.
Sobretudo, é ver crescer o amor pelo companheiro que hoje é meu grande suporte. Porque somos só nos três aqui nesse arquipélago de sete mil ilhas, este punhado de terra cercado de água, tantas águas, um lar de câncer, escorpião e peixes. Como diz meu amigo Adriano Godoi: isso não é uma casa, é um tsunami! Verbo: eu sinto. Um explode, a outra guarda e remói, o outro ainda nos é mistério. Mas mergulhamos todos no grande mistério que é nascermos, juntos, desta nova experiência.
Cada vez mais penso que parte importante do processo é sair da vibe turista e entrar no ritmo do lugar. O turista tem uma sede absurda de conhecer tudo, de apreender tudo, tem um ritmo frenético de capturar as coisas. Eu carrego comigo essa sede. Foi assim em quase todas as minhas viagens. Mas, aqui, senti diferente.
Demorei para conseguir tirar fotos e fiquei pensando o que poderia estar por trás dessa minha falta de intimidade com a câmera aqui - logo eu, que amo fotografar tudo! Percebi que eu me sentia invadindo um espaço - qual espaço? -, "roubando" momentos de algo que eu não havia ainda compreendido bem na alma. A fotografia, neste sentido, é uma arte tão relacional, não é? Não existe objeto que não exponha o fotógrafo, que não escancare esta relação que se estabelece. Claro, acho que tem gente que fotografa no automático e nem pensa nisso. Mas eu não dou conta. Achei péssimas todas as minhas fotos das primeiras semanas aqui. E é engraçado. São fotos feitas de longe, de quem não se coloca na cena.
Me lembrei de quando participei de uma vivência com os Kayapó, em 2006. As primeiras fotos que tirei, ainda sob o olhar do exótico, também traziam essa distância. Eram crianças brincando, e eu ainda tímida, de longe, sem saber como me colocar. O olhar delas para mim era de desconfiança. Ainda não havia se estabelecido a relação de que falo. Num dado momento, deixei a câmera de lado e passei a brincar com elas. De roda, de desenhar, de um bocado de coisas. Só depois, bem mais tarde, voltei a fotografar. As fotos ganharam outra potência. Ganharam proximidade, não no sentido de lente, zoom, nada disso. No sentido de afeto mesmo. Era como se eu pudesse me aproximar da pele daquelas crianças, pudesse dançar com elas. Elas deram abertura para que eu fosse uma delas. E eu dei abertura para vê-las, de fato, como crianças.
É neste sentido que ainda encontro alguma dificuldade para fotografar pessoas por aqui. Ainda estamos tateando. Nos olhando neste jogo de espelhos, de alteridades. Acho que é uma questão de tempo. E que bom, que privilégio, ter este tempo!
Buscando essa aproximação, achei que já era tempo e me matriculei num curso de travel and cultural documentary photography. As aulas começam nesta quinta-feira. Na verdade, é um workshop de três dias, com aula teórica, saída de campo para uma cidade próxima a ser escolhida pelo professor e posterior análise da nossa produção. Estou na maior ansiedade. Depois conto aqui como foi o curso.
Escrevo e Felipe chuta forte na barriga. Ele sempre chuta em sessões de cinema, escritos, programas culturais. Fico achando lindo. Na verdade, quem faz essa projeção sou eu, claro, rsrs. O bichinho está apenas crescendo. Logo entraremos no sétimo mês. O que me deixa especialmente emotiva, porque nasci prematura de 7 meses.
Como eu reagiria se ele nascesse agora? Falta tanto chão! Como eu construí, ao longo da minha vida, este chão que me faltou, este restinho de caminhada? Fico divagando, nessa jornada intensa e doida que é a maternidade, enquanto busco minhas maneiras de pertencer ao novo país que nos acolhe.
Eu, que sempre tive como temas obsessivos a tal coragem de pertencer ao desconhecido, a poética dos abismos, do salto no vazio...vejo que, sem perceber, me lancei exatamente na corporificação destas ideias.
Gerar e carregar um filho é pertencer ao desconhecido. O medo do parto é pertencer ao desconhecido. Parir é pertencer ao desconhecido. Criar um ser humano, com todos os seus melhores valores e suas sombras, é pertencer ao desconhecido. Tudo isso fisicamente longe da sua rede de afetos, daqueles que sempre foram o abrigo-quando-o-peito-aperta...isso é duplamente pertencer ao desconhecido! É descobrir novos caminhos, novos sentidos, a cada dia.
Sobretudo, é ver crescer o amor pelo companheiro que hoje é meu grande suporte. Porque somos só nos três aqui nesse arquipélago de sete mil ilhas, este punhado de terra cercado de água, tantas águas, um lar de câncer, escorpião e peixes. Como diz meu amigo Adriano Godoi: isso não é uma casa, é um tsunami! Verbo: eu sinto. Um explode, a outra guarda e remói, o outro ainda nos é mistério. Mas mergulhamos todos no grande mistério que é nascermos, juntos, desta nova experiência.
Frangipanis em Manila: flores perto das quais me sinto em casa |
quarta-feira, 19 de novembro de 2014
A Vida em Manila #1
Nesta semana, completarei quase um mês em terras filipinas, precisamente na capital, Manila. Parece bastante tempo, mas não é nada quando se trata de dar um duplo twist carpado geográfico e cultural. Sim, porque a pessoa aqui só tinha saído do Guará para o Plano Piloto - cria fortíssima e arraigada de Brasília! De modo que viver na Ásia me tem sido, sem dúvidas, uma grande aventura. Vou tentar compartilhar com vocês um pouco do que tenho visto por aqui.
A primeira impressão - Família Buscapé vai à cidade grande
Cheguei num sábado, dia 25 de outubro. Logo na descida do avião, uma placa enorme avisava: "it's more fun in the Philippines!". Este é o slogan oficial do Departamento de Turismo deles, então prepare-se para encontrar o mote aqui e ali :) João foi me buscar no aeroporto e, no caminho pra casa, me chamou a atenção como a paisagem muda rapidamente - bairros que me lembravam as cidades-satélites no início dos anos 90 logo davam lugar a um grande centro comercial, no melhor estilo Avenida Paulista. É neste centrão com cara de cidade-a-mil-por-hora que moramos.
João ri da minha cara e diz que eu não vi nada ainda do que é uma cidade-a-mil-por-hora, que eu preciso ir a Hong Kong e tal. Eu sei da minha experiência: para quem tinha uma palmeira com passarinhos bem diante da janela, com um grande campo verde onde descansar os olhos, estar diante de arranha-céus e morar num prédio de 40 andares é realmente uma grande mudança.
Passei os primeiros dias meio assustada com o trânsito caótico e com a grande quantidade de gente andando nas ruas. Sobre o trânsito, cabem mais algumas palavras. O engarrafamento nosso de cada dia de Brasília não é nada perto do que rola por aqui. São muitos carros na rua e eles parecem gostar de dirigir perigosamente. Buzinar é coisa corriqueira. Sabe aquele orgulho brasiliense de "aqui evitamos buzinar", estampado em placas na entrada da cidade? Pois esqueçam. Aqui buzinar é o esquema. Os carros viram de todos os lados, tem triciclo, tem jeepneys com luzes piscando (o meio de transporte mais popular, que nada mais é do que um jeep herdado da 2a Guerra Mundial e adaptado para virar meio de transporte coletivo), tem taxis fechando uns aos outros. Uma coisa de louco para quem chega. Nós optamos por não termos carro aqui e fazermos, na medida do possível, tudo a pé. Neste sentido, temos sorte, pois a nossa vizinhança é super bem servida!
Com esse tanto de carro, é de imaginar que a poluição seja um problema. Eu estranhei bastante. É comum ver pessoas de máscaras andando pela rua ao fim do dia, na hora do rush - ainda não sei em qual medida é por causa da poluição ou pela preocupação com contaminação (gripe etc) em lugares de grande movimento. Talvez um pouco dos dois. Eu, com minha rinite, sou a rainha dos espirros quando saio na rua. O povo falta pular da escada no metrô!
Agora, um mês depois, já estou mais habituada a esse cenário de cidade grande. Mas confesso que a falta de horizonte e de céu ainda me incomoda. O que dá um conforto é você ir encontrando seus pequenos oásis no meio do caos - como o Salcedo Market, vulgo mercadinho de sábado bem em frente a nossa casa, onde produtores de toda a cidade vêm vender frutas, verduras, hortaliças e afins - tudo fresquinho, muita coisa orgânica e saudável :)
O povo filipino
O que torna a adaptação mais fácil é, sem dúvidas, a cordialidade das pessoas. Os filipinos são muito amáveis. Fazem questão de cumprimentar com bom dia, boa tarde, boa noite e um sorrisão. Nos primeiros dias, também estranhei um pouco isso de todo mundo falar com você, mas logo me acostumei.
Aqui onde moramos, todo mundo fala inglês, além do tagalog (filipino). Pegar o sotaque deles também exige um pouco de tempo. De fato, o American accent é o mais comum por aqui - eles foram colônia dos Estados Unidos, o que se reflete na influência cultural notada em praticamente tudo. Antes, as Filipinas também foram colônia da Espanha, daí o nome das ruas em espanhol (Tordesillas, San Augustin, Dela Costa, Villar etc) e sobrenomes como Garcia, Miranda e Reyes. Apesar disso, eles não falam espanhol. Falam o inglês, língua franca ensinada na escola.
O que percebi até agora sobre a questão do idioma (impressões, ok? Nem de longe tenho a pretensão de qualquer análise mais aprofundada): as gerações mais antigas falam um inglês bem ruim, em geral. Às vezes, sinto que eles estão sofrendo para se fazerem entender. Já para os mais jovens, é algo natural. Aqui, o fator sócio-econômico também pesa: quanto mais caminhamos para os rumos de Makati (onde moramos), mais o inglês flui com sotaque americano. Vi que algumas escolas de inglês por aqui, inclusive, têm cursos específicos para trabalhar o sotaque. Ou seja: American accent é sinal de status.
Essa influência está em toda parte e fica muito clara quando olhamos a quantidade de shoppings espalhados pela cidade. É uma coisa de maluco. Aqui perto de casa, fica o complexo Greenbelt-Glorietta. Cada um deve ter uns cinco prédios. Para dar uma dimensão, é como se todos os shoppings de Brasília ficassem juntos, colados, formando um complexo só. E esse é apenas UM dos malls da região. As grandes marcas internacionais estão todas por aqui. Em termos de comida, dá-lhe Burger King, Wendy's, KFC, Mc Donald's, Donuts e outras redes. Franquias de café como Starbucks e The Coffee Bean estão em cada esquina.
Nessa lógica, a maioria dos cinemas está, é claro, nos multiplex dentro dos shoppings. Aparentemente, não há cinemas de arte por aqui - se há, estão muito bem escondidos! Então a experiência de ir ao cinema aqui não tem sido muito rica. Em cartaz, sempre há filmes em inglês e outros em tagalog, sem legenda. Daqueles em inglês, 100% são blockbusters. Já vimos John Wick, Insterstellar e Fury. Isso garimpando o que de melhor havia na programação. Tem muita coisa de terror também, mas eu passo longe, porque sou medrosa mesmo e odeio filme de gente possuída :P
Massagens baratas
Aqui é muito fácil encontrar massagens boas e bem em conta. Somente aqui pertinho de casa, já encontrei uns três espaços. Há todo tipo de técnicas, com preponderância, pelo que notei, para a thai massage. Meia hora de massagem nos pés, por exemplo, sai pela bagatela de 200 pesos filipinos, o que corresponde a mais ou menos R$ 11, 00. Além disso, o conceito de pé, aqui, é bastante flexível: a massagem começa na mão, vai para os pés, passa pela canela até o joelho e termina nas costas. Uma delícia! Sem contar que a massagista coloca uma toalha quente em volta do seu pescoço, com algumas sementes aquecidas (pelo cheirinho, parece camomila). Aromaterapia de brinde, rapaz!
Para terem uma ideia do quanto é em conta, um café invocadinho na Starbucks daqui custa 170 pesos. Ou seja: toda vez que penso em tomar um vanilla latte ou meu chai, imediatamente converto no fator massagem e concluo que o café, na verdade, é que está caro.
Comida
Vocês devem estar se perguntando onde entra a cozinha asiática, certo? Se olharmos só para as grandes redes, é quase possível esquecer que estamos na Ásia. Mas nós estamos. E aí um novo mundo se abre, com cozinha filipina, tailandesa, vietnamita, coreana, japonesa, chinesa e por aí vai. Confesso que a gastronomia filipina ainda não conquistou meu coração, rs. Estamos nos aproximando. Os pratos mais comuns que vi por aqui são o lechon, o pancit (macarrão que é sempre servido nos aniversários, como o nosso brigadeiro!) e o tal do frango adobo. Nada que tenha me enchido os olhos. Ainda não provei a sobremesa típica deles, o halo-halo, mas conto assim que experimentar.
O interessante é que há um acesso muito fácil à cozinha internacional, de modo que restaurantes espanhóis, árabes e italianos estão a um pulo. De toda a oferta por aqui, tenho curtido especialmente o indiano, o persa e o tailandês :)
Ainda sobre a influência estadunidense, confesso que esse paladar meio bagaceira me incomoda um pouco. Pizza, hamburguer, cookies, frango frito, donuts, nutella. Se bobear, lá está você comendo besteira com a maior facilidade, pois são as coisas mais fáceis de encontrar.
Outro fenômeno curioso aqui são os comerciais de comida. Tem um do Mc Donald's que me faz morrer de rir toda vez. Uma mulher lindíssima vem andando em câmera lenta, com os cabelos esvoaçantes. Num primeiro momento, achei que fosse propaganda de xampoo. Pois que a câmera revela uma caixinha de Mc Chicken, na direção da qual a modelo segue toda faceira. Quando você acha que já viu tudo nessa vida, vem uma modelo sensualizar enquanto come uma coxa de frango frita! Surreal. Ah, e tem também uma supermodel fazendo propaganda dum sanduíche chamado "baconator" (imaginem a bomba). Do tipo: "esse é meu sanduíche favorito; só como baconator!". Sim, daquele mesmo jeito que a Xuxa usa Monange e a Sandy a-d-o-r-a o óleo de amêndoas Paixão.
Para não dizer que não há coisas saudáveis, as frutas aqui são uma beleza. Os filipinos adoram manga e a deles é mesmo incrível! Descobri um novo amor, o calamansi, que é um limãozinho miúdo delícia! João apareceu aqui para fazer um adendo e dizer que também descobriu um novo amor: o mangostim. Estamos quites, então, nos amores frugais.
A média de altura - uma terra onde sou maioria :P
Os filipinos são baixinhos. Bem baixinhos. Tipo eu. De forma que eu ando na multidão e fico na média de altura das mulheres. Várias são mais baixas. Sério. Nunca antes na minha história, rs! Estou encantada com isso, porque, vejam bem, há várias vantagens: pela primeira vez na vida, eu encontro roupas com facilidade, sem precisar de ajustes. Fazer barra, punho e afins eram coisas corriqueiras, quase uma extensão do ato de comprar roupas. Agora a mágica se fez: é bater o olho, vestir e ficar certinha! Com a grande diferença de que elas são mais franzinas (trocando em miúdos, não têm muito peito nem bunda), então tenho sempre que comprar um tamanho maior. Fora isso, tudo lindo!
Outra vantagem, para ilustrar. Dia desses, andei de jeepney pela primeira vez. O João ficou todo encurvado lá dentro, coitado. Já eu fui linda e faceira, sem nenhum desconforto por causa da altura. Ah, finalmente ter vantagens! Não tem preço! Tudo bem que a parte obscura da viagem foi que pegamos o jeepney errado e fomos parar numa quebrada que até hoje não sabemos onde era, mas tudo bem. Esses percalços fazem parte da aventura :)
A primeira impressão - Família Buscapé vai à cidade grande
Cheguei num sábado, dia 25 de outubro. Logo na descida do avião, uma placa enorme avisava: "it's more fun in the Philippines!". Este é o slogan oficial do Departamento de Turismo deles, então prepare-se para encontrar o mote aqui e ali :) João foi me buscar no aeroporto e, no caminho pra casa, me chamou a atenção como a paisagem muda rapidamente - bairros que me lembravam as cidades-satélites no início dos anos 90 logo davam lugar a um grande centro comercial, no melhor estilo Avenida Paulista. É neste centrão com cara de cidade-a-mil-por-hora que moramos.
João ri da minha cara e diz que eu não vi nada ainda do que é uma cidade-a-mil-por-hora, que eu preciso ir a Hong Kong e tal. Eu sei da minha experiência: para quem tinha uma palmeira com passarinhos bem diante da janela, com um grande campo verde onde descansar os olhos, estar diante de arranha-céus e morar num prédio de 40 andares é realmente uma grande mudança.
Ayala Avenue, a minha nova Avenida Paulista |
Passei os primeiros dias meio assustada com o trânsito caótico e com a grande quantidade de gente andando nas ruas. Sobre o trânsito, cabem mais algumas palavras. O engarrafamento nosso de cada dia de Brasília não é nada perto do que rola por aqui. São muitos carros na rua e eles parecem gostar de dirigir perigosamente. Buzinar é coisa corriqueira. Sabe aquele orgulho brasiliense de "aqui evitamos buzinar", estampado em placas na entrada da cidade? Pois esqueçam. Aqui buzinar é o esquema. Os carros viram de todos os lados, tem triciclo, tem jeepneys com luzes piscando (o meio de transporte mais popular, que nada mais é do que um jeep herdado da 2a Guerra Mundial e adaptado para virar meio de transporte coletivo), tem taxis fechando uns aos outros. Uma coisa de louco para quem chega. Nós optamos por não termos carro aqui e fazermos, na medida do possível, tudo a pé. Neste sentido, temos sorte, pois a nossa vizinhança é super bem servida!
Com esse tanto de carro, é de imaginar que a poluição seja um problema. Eu estranhei bastante. É comum ver pessoas de máscaras andando pela rua ao fim do dia, na hora do rush - ainda não sei em qual medida é por causa da poluição ou pela preocupação com contaminação (gripe etc) em lugares de grande movimento. Talvez um pouco dos dois. Eu, com minha rinite, sou a rainha dos espirros quando saio na rua. O povo falta pular da escada no metrô!
Agora, um mês depois, já estou mais habituada a esse cenário de cidade grande. Mas confesso que a falta de horizonte e de céu ainda me incomoda. O que dá um conforto é você ir encontrando seus pequenos oásis no meio do caos - como o Salcedo Market, vulgo mercadinho de sábado bem em frente a nossa casa, onde produtores de toda a cidade vêm vender frutas, verduras, hortaliças e afins - tudo fresquinho, muita coisa orgânica e saudável :)
Jeepney, carro e triciclo: tudo ao mesmo tempo agora |
O pitoresco jeepney, uma verdadeira instituição filipina |
O povo filipino
O que torna a adaptação mais fácil é, sem dúvidas, a cordialidade das pessoas. Os filipinos são muito amáveis. Fazem questão de cumprimentar com bom dia, boa tarde, boa noite e um sorrisão. Nos primeiros dias, também estranhei um pouco isso de todo mundo falar com você, mas logo me acostumei.
Aqui onde moramos, todo mundo fala inglês, além do tagalog (filipino). Pegar o sotaque deles também exige um pouco de tempo. De fato, o American accent é o mais comum por aqui - eles foram colônia dos Estados Unidos, o que se reflete na influência cultural notada em praticamente tudo. Antes, as Filipinas também foram colônia da Espanha, daí o nome das ruas em espanhol (Tordesillas, San Augustin, Dela Costa, Villar etc) e sobrenomes como Garcia, Miranda e Reyes. Apesar disso, eles não falam espanhol. Falam o inglês, língua franca ensinada na escola.
O que percebi até agora sobre a questão do idioma (impressões, ok? Nem de longe tenho a pretensão de qualquer análise mais aprofundada): as gerações mais antigas falam um inglês bem ruim, em geral. Às vezes, sinto que eles estão sofrendo para se fazerem entender. Já para os mais jovens, é algo natural. Aqui, o fator sócio-econômico também pesa: quanto mais caminhamos para os rumos de Makati (onde moramos), mais o inglês flui com sotaque americano. Vi que algumas escolas de inglês por aqui, inclusive, têm cursos específicos para trabalhar o sotaque. Ou seja: American accent é sinal de status.
Essa influência está em toda parte e fica muito clara quando olhamos a quantidade de shoppings espalhados pela cidade. É uma coisa de maluco. Aqui perto de casa, fica o complexo Greenbelt-Glorietta. Cada um deve ter uns cinco prédios. Para dar uma dimensão, é como se todos os shoppings de Brasília ficassem juntos, colados, formando um complexo só. E esse é apenas UM dos malls da região. As grandes marcas internacionais estão todas por aqui. Em termos de comida, dá-lhe Burger King, Wendy's, KFC, Mc Donald's, Donuts e outras redes. Franquias de café como Starbucks e The Coffee Bean estão em cada esquina.
Nessa lógica, a maioria dos cinemas está, é claro, nos multiplex dentro dos shoppings. Aparentemente, não há cinemas de arte por aqui - se há, estão muito bem escondidos! Então a experiência de ir ao cinema aqui não tem sido muito rica. Em cartaz, sempre há filmes em inglês e outros em tagalog, sem legenda. Daqueles em inglês, 100% são blockbusters. Já vimos John Wick, Insterstellar e Fury. Isso garimpando o que de melhor havia na programação. Tem muita coisa de terror também, mas eu passo longe, porque sou medrosa mesmo e odeio filme de gente possuída :P
Massagens baratas
Aqui é muito fácil encontrar massagens boas e bem em conta. Somente aqui pertinho de casa, já encontrei uns três espaços. Há todo tipo de técnicas, com preponderância, pelo que notei, para a thai massage. Meia hora de massagem nos pés, por exemplo, sai pela bagatela de 200 pesos filipinos, o que corresponde a mais ou menos R$ 11, 00. Além disso, o conceito de pé, aqui, é bastante flexível: a massagem começa na mão, vai para os pés, passa pela canela até o joelho e termina nas costas. Uma delícia! Sem contar que a massagista coloca uma toalha quente em volta do seu pescoço, com algumas sementes aquecidas (pelo cheirinho, parece camomila). Aromaterapia de brinde, rapaz!
Para terem uma ideia do quanto é em conta, um café invocadinho na Starbucks daqui custa 170 pesos. Ou seja: toda vez que penso em tomar um vanilla latte ou meu chai, imediatamente converto no fator massagem e concluo que o café, na verdade, é que está caro.
Vocês devem estar se perguntando onde entra a cozinha asiática, certo? Se olharmos só para as grandes redes, é quase possível esquecer que estamos na Ásia. Mas nós estamos. E aí um novo mundo se abre, com cozinha filipina, tailandesa, vietnamita, coreana, japonesa, chinesa e por aí vai. Confesso que a gastronomia filipina ainda não conquistou meu coração, rs. Estamos nos aproximando. Os pratos mais comuns que vi por aqui são o lechon, o pancit (macarrão que é sempre servido nos aniversários, como o nosso brigadeiro!) e o tal do frango adobo. Nada que tenha me enchido os olhos. Ainda não provei a sobremesa típica deles, o halo-halo, mas conto assim que experimentar.
Pancit (primeira foto) e o famoso lechon: tipicamente filipinos |
O interessante é que há um acesso muito fácil à cozinha internacional, de modo que restaurantes espanhóis, árabes e italianos estão a um pulo. De toda a oferta por aqui, tenho curtido especialmente o indiano, o persa e o tailandês :)
Ainda sobre a influência estadunidense, confesso que esse paladar meio bagaceira me incomoda um pouco. Pizza, hamburguer, cookies, frango frito, donuts, nutella. Se bobear, lá está você comendo besteira com a maior facilidade, pois são as coisas mais fáceis de encontrar.
Outro fenômeno curioso aqui são os comerciais de comida. Tem um do Mc Donald's que me faz morrer de rir toda vez. Uma mulher lindíssima vem andando em câmera lenta, com os cabelos esvoaçantes. Num primeiro momento, achei que fosse propaganda de xampoo. Pois que a câmera revela uma caixinha de Mc Chicken, na direção da qual a modelo segue toda faceira. Quando você acha que já viu tudo nessa vida, vem uma modelo sensualizar enquanto come uma coxa de frango frita! Surreal. Ah, e tem também uma supermodel fazendo propaganda dum sanduíche chamado "baconator" (imaginem a bomba). Do tipo: "esse é meu sanduíche favorito; só como baconator!". Sim, daquele mesmo jeito que a Xuxa usa Monange e a Sandy a-d-o-r-a o óleo de amêndoas Paixão.
Para não dizer que não há coisas saudáveis, as frutas aqui são uma beleza. Os filipinos adoram manga e a deles é mesmo incrível! Descobri um novo amor, o calamansi, que é um limãozinho miúdo delícia! João apareceu aqui para fazer um adendo e dizer que também descobriu um novo amor: o mangostim. Estamos quites, então, nos amores frugais.
Suco de calamansi e omelete feita por João: jantar perfeito |
Mangostim, a nova fruta favorita do João |
A média de altura - uma terra onde sou maioria :P
Os filipinos são baixinhos. Bem baixinhos. Tipo eu. De forma que eu ando na multidão e fico na média de altura das mulheres. Várias são mais baixas. Sério. Nunca antes na minha história, rs! Estou encantada com isso, porque, vejam bem, há várias vantagens: pela primeira vez na vida, eu encontro roupas com facilidade, sem precisar de ajustes. Fazer barra, punho e afins eram coisas corriqueiras, quase uma extensão do ato de comprar roupas. Agora a mágica se fez: é bater o olho, vestir e ficar certinha! Com a grande diferença de que elas são mais franzinas (trocando em miúdos, não têm muito peito nem bunda), então tenho sempre que comprar um tamanho maior. Fora isso, tudo lindo!
Outra vantagem, para ilustrar. Dia desses, andei de jeepney pela primeira vez. O João ficou todo encurvado lá dentro, coitado. Já eu fui linda e faceira, sem nenhum desconforto por causa da altura. Ah, finalmente ter vantagens! Não tem preço! Tudo bem que a parte obscura da viagem foi que pegamos o jeepney errado e fomos parar numa quebrada que até hoje não sabemos onde era, mas tudo bem. Esses percalços fazem parte da aventura :)
Eu e os ancestrais filipinos no Ayala Museum |
quinta-feira, 6 de novembro de 2014
hoje eu quero fazer tudo por você
Chega trompete, chega tripé. A câmera veio antes. O sons são da cidade. Seus livros de história e relações internacionais ganham a estante que outrora abrigava minhas pequenezas e enfeites de viagens. Meus orixás, patuás, minha proteção. Meus livros de cinema ganham a estante central da sala, onde eu sempre imaginei suas coisas. Na verdade, tudo se entrelaça, agora que aprendemos o verdadeiro sentido de compartilhar.
Não são só os seus livros que abraçam os meus – economia ao lado dos quadrinhos do Liniers e Mafalda. É você que me acolhe nesta vida nômade, e eu acolho você ao deixar minha quietude brasiliense para aquietar você em todos os momentos de destempero.
Enquanto escrevo, você confere se todas as caixas foram entregues, conversa algo em inglês com os funcionários filipinos e dá uma última assinatura. Eu sou tomada por uma súbita doçura e penso como é bom poder alternar também os papeis na vida – poder baixar a guarda de quando em vez, enquanto você assume as providências práticas, sendo que momentos atrás era eu quem cuidava da parte chata enquanto você fazia outra coisa que precisava ser feita. Alternamos o passo tranquilamente nessa dança, sem fazer disso uma questão, e isso é lindo.
Os filipinos recolhem as caixas vazias e vão embora. O apartamento torna-se subitamente vazio e cheio de objetos e sonhos. Você me abraça, orgulhoso, e me chama para um café. Eu te chamo para um cafuné. E assim Manila nos dá, definitivamente, as boas-vindas numa manhã ensolarada de quinta-feira.
sábado, 20 de setembro de 2014
Diário da saudade - Dias 24 e 25
Dias 24 e 25 - 19 e 20/09
Para ler ouvindo o silêncio.
Minha saudade é tanta que me sinto monotemática. Me sinto também um pouco triste e um pouco assustada com a perspectiva de ir embora. Outubro vai chegando. Metade da nossa jornada longe um do outro já foi. Enfrentamos. Falta a outra metade. Agora acabou o ensaio e é pra fazer valendo: arrumar as coisas, desocupar a minha casa, dar até logo para os amigos, a família, os meus gatos. Eu deixarei em Brasília tudo o que foi minha referência e minha identidade ao longo de uma vida. Você já é mais acostumado a mudanças. Minha máxima mudança foi sair da casa da minha mãe.
Agora, atravessar um oceano por amor. Com algumas coisas identitárias na bagagem. Um quadro da Giulietta Masina, minha câmera fotográfica, uma Nossa Senhora Aparecida feita de palha, minhas guias, talvez uma das minhas bonecas. Roupas, minhas e do bebê. O que levar para uma nova vida? O que já não cabe mais? O que ainda faz sentido, mas não é possível e prático levar? Como se desfazer desses objetos que nos denotam?
Há coisas das quais não nos desfazemos. Que seguem conosco seja lá qual for o destino. Quais são as suas coisas identitárias? O exercício que tenho feito, e que é bonito, é desconstruir esses objetos até perceber qual é a essência que eles carregam, até ver que essa essência é minha. Que teve a forma de uma boneca negra, de um espírito-santo de fuxico e chita, de um quadro. Os objetos são o que são pela carga de afeto que depositamos neles, não é?
A cada processo de mudança em que tenho que entrar em contato com o apego, revisito Bacherlard e sua poética. Juntos, passeamos pela casa. Os cantos, as miniaturas, as imagens do profundo. O que há nesses objetos que eu amo? Arrisco: fé, cultura popular, poesia, brasilidade. Amor, oratórios, passarinhos e pequenezas.
Um coração feito de rio e da leveza (e força) das águas.
Escrevo para você e, pensando agora em identidade, me lembrei de um poema maravilhoso da Viviane Mosé. Acho que li para você um dia, quando acordamos. Acho, até, que reforcei que era um poema que falava muito de mim. Diz assim:
Eu poderia chorar coisas assim:
Corre um rio de minha boca corre um rio de minhas mãos.
Dos meus olhos corre um rio.
Na verdade sofro de excessos, que me dão certo vocabulário
Como derramar, escorrer, atravessar.
Tenho a impressão de que tudo vaza em sobras.
Tenho dificuldade em caber.
Pra caber mais derramo por nada derramo sem motivo.
Vou acalmar meu excesso, pensei
Ministrando doses diárias de barcos ancorados ao sol,
Rodeados por pequenos pássaros em busca de restos de peixe.
Águas se lançando sobre as pedras e um vento que parece vivo,
Como se tivesse a intenção de às vezes fazer agrados
Em minha pele.
Meu rosto tem muita simpatia por ventos,
Reconhece certos humores próprios a vento.
Gosto de coisas que se movem.
Por isso aprecio rios e não sou tanto assim apegada a mares.
E árvores.
Se bem que tenho enorme ternura por bois
Fincados no pasto como palavras no papel.
Palavras são estacas fincadas ao chão.
Pedras onde piso nessa imensa correnteza que atravesso.
Entender cada imagem desse poema é entender quem eu sou. Para além do retrato, sabe? O más alla, alma adentro. E eu quero que você acesse este lugar.
Sejam sempre bem-vindo, J., a esse coração de rio.
Um beijo com todo o amor que houver nessa vida,
D.
quarta-feira, 17 de setembro de 2014
Diário da saudade - Dia 21
Dia 21 - 16/09/14
*Para ler ao som de Estou Triste, do Caetano, e de todo o Abraçaço.
Hoje tem repeteco de dias. Intervalos, interseções, danças. E a interseção (e a secção) é a minha ciclotimia. De Peanuts ao abraçaço de Caetano, ao meu quarto como o lugar mais frio não do Rio, mas dessa Brasília quente que é o próprio deserto. Hoje deve ter sido o dia mais quente do ano. Me senti mal o dia inteiro. A vontade é de simplesmente virar vento. E chover na cidade. A poeira precisa de chuvas. Os ipês brancos chegaram. Eles são os últimos do espetáculo e costumam anunciar o fim da seca. O Festival de Cinema, que começa hoje, também costuma anunciar o fim da seca. É tradição na cidade: a chuva (a)guardada, choros de tantos brasilienses, cai durante a abertura do festival. O que é isso, uma cidade que chora? Eu sempre cheia de perguntas.
Sei que está difícil aqui, longe, com a saudade. As coisas ganham proporções distorcidas. De repente, me sinto tola. Apago caminhos, impulsos, mas não há o que apagar. Tudo é tentativa de encontrar nossa voz no mundo. Viventes. Às vezes, eu queria mesmo é voltar ao silêncio de antes de antes de antes de antes. O silêncio da barriga. Será a minha barriga silenciosa pro pequeno? Eu, com tanto caos, caórdica? Será que passo o quê? Que música toca pelo fone que é esse cordão, esse coração que nos une?
Eu queria que ele não sentisse a minha agitação. A minha ansiedade. Queria que ele soubesse esperar o que eu não soube. Que ele respire fundo. Que possa ver a graça de cada segundo, de cada fase de peixe, nesse mar de memórias e referências que não são dele mas que também são porque são nossas e ele e nós somos uma coisa só, até que um dia o cordão se corte. Filho, saiba ver como cada tempo é bom. Saiba ver o tempo.
Por muitos anos, me gabei por ter nascido apressada, porque eu "quis logo ver o mundo", "era curiosa", "quis chegar e abalar". Não, meu amor. Fica aí, que ainda há muito tempo de ficar. De esperar. Veja os ipês brancos: são os últimos e, para muita gente, os mais belos da trilogia dos ipês de Brasília. Eles esperam os rosas e os amarelos entrarem em cena e arrebatarem as retinas de quem vê. Só então eles aparecem. Delicados como cerejeiras orientais.
O céu de Brasília vai ficando cheio de tsurus. Não seria um sonho lindo? Ipês brancos e revoadas de pássaros de papel, de todas as cores, diante de um céu azul infinito.
*Para ler ao som de Estou Triste, do Caetano, e de todo o Abraçaço.
Hoje tem repeteco de dias. Intervalos, interseções, danças. E a interseção (e a secção) é a minha ciclotimia. De Peanuts ao abraçaço de Caetano, ao meu quarto como o lugar mais frio não do Rio, mas dessa Brasília quente que é o próprio deserto. Hoje deve ter sido o dia mais quente do ano. Me senti mal o dia inteiro. A vontade é de simplesmente virar vento. E chover na cidade. A poeira precisa de chuvas. Os ipês brancos chegaram. Eles são os últimos do espetáculo e costumam anunciar o fim da seca. O Festival de Cinema, que começa hoje, também costuma anunciar o fim da seca. É tradição na cidade: a chuva (a)guardada, choros de tantos brasilienses, cai durante a abertura do festival. O que é isso, uma cidade que chora? Eu sempre cheia de perguntas.
Sei que está difícil aqui, longe, com a saudade. As coisas ganham proporções distorcidas. De repente, me sinto tola. Apago caminhos, impulsos, mas não há o que apagar. Tudo é tentativa de encontrar nossa voz no mundo. Viventes. Às vezes, eu queria mesmo é voltar ao silêncio de antes de antes de antes de antes. O silêncio da barriga. Será a minha barriga silenciosa pro pequeno? Eu, com tanto caos, caórdica? Será que passo o quê? Que música toca pelo fone que é esse cordão, esse coração que nos une?
Eu queria que ele não sentisse a minha agitação. A minha ansiedade. Queria que ele soubesse esperar o que eu não soube. Que ele respire fundo. Que possa ver a graça de cada segundo, de cada fase de peixe, nesse mar de memórias e referências que não são dele mas que também são porque são nossas e ele e nós somos uma coisa só, até que um dia o cordão se corte. Filho, saiba ver como cada tempo é bom. Saiba ver o tempo.
Por muitos anos, me gabei por ter nascido apressada, porque eu "quis logo ver o mundo", "era curiosa", "quis chegar e abalar". Não, meu amor. Fica aí, que ainda há muito tempo de ficar. De esperar. Veja os ipês brancos: são os últimos e, para muita gente, os mais belos da trilogia dos ipês de Brasília. Eles esperam os rosas e os amarelos entrarem em cena e arrebatarem as retinas de quem vê. Só então eles aparecem. Delicados como cerejeiras orientais.
O céu de Brasília vai ficando cheio de tsurus. Não seria um sonho lindo? Ipês brancos e revoadas de pássaros de papel, de todas as cores, diante de um céu azul infinito.
terça-feira, 16 de setembro de 2014
Diário da saudade - Dias 20 e 21
Dias 20 e 21 - 15 e 16/09
*Para ler ouvindo the Peanuts original theme.
Meu gatinho,
Voltei do trabalho doida pra chegar em casa e falar com você. Acho que ainda é muito cedo por aí e você provavelmente ainda dorme. Então aproveito para te contar logo que tive uma ideia super supimpa pro chá de bebê do Lipe! Eu estava naquela de pensar em alguns temas, aí uma imagem foi puxando a outra. Brainstorm mesmo. Primeiro pensei num avião. Depois num mundo. Porque, afinal, nosso pequeno vai ser meio ciganinho, né? Un piccolo zingaro!
Estava eu mergulhada nesses temas quando me veio uma imagem perfeita, que resume tudo: o Snoopy de aviador! Claro! Como eu não tinha pensado nisso antes? Tudo fez click. O Snoopy faz parte da minha vida desde sempre, quando eu assistia na TV com minha mãe e com a Di. Quando a Di foi servir em Roma, ela me mandava milhares de cartões musicais do Snoopy, e esse ficou sendo um código nosso, algo que nos unia. O Snoopy e a turma do Charlie Brown passaram a ter uma carga infinita de afeto pra mim.
Depois, já adulta, tive meus momentos de regressão infantil ao comprar cadernos, agendas, caixinhas e outros badulaques. Mas a glória mesmo foi quando fui trabalhar no JB e, um dia, cheguei com uma echarpe vermelha que eu adoro. Uma colega bateu o olho em mim e falou que eu estava a cara do Snoopy de aviador. Depois desse dia, segui ainda mais identificada com ele, rsrs.
E agora decidi que quero fazer o chá do Lipe com esse tema. Quero saber o que você acha. Minha defesa foi boa? Espero ter conseguido te convencer! ;)
Hoje o pequeno e eu passamos o dia muito conectados, vibrando juntos no orgulho que sentimos de você. Esperamos que o seu début diante das plateias filipinas tenha sido lindo. Lipe falou que você estava muito elegante na festa e que ele quer ser igualzinho a você quando ele crescer.
Te amamos muito!
Saudade sem fim,
Dany
*Para ler ouvindo the Peanuts original theme.
Meu gatinho,
Voltei do trabalho doida pra chegar em casa e falar com você. Acho que ainda é muito cedo por aí e você provavelmente ainda dorme. Então aproveito para te contar logo que tive uma ideia super supimpa pro chá de bebê do Lipe! Eu estava naquela de pensar em alguns temas, aí uma imagem foi puxando a outra. Brainstorm mesmo. Primeiro pensei num avião. Depois num mundo. Porque, afinal, nosso pequeno vai ser meio ciganinho, né? Un piccolo zingaro!
Estava eu mergulhada nesses temas quando me veio uma imagem perfeita, que resume tudo: o Snoopy de aviador! Claro! Como eu não tinha pensado nisso antes? Tudo fez click. O Snoopy faz parte da minha vida desde sempre, quando eu assistia na TV com minha mãe e com a Di. Quando a Di foi servir em Roma, ela me mandava milhares de cartões musicais do Snoopy, e esse ficou sendo um código nosso, algo que nos unia. O Snoopy e a turma do Charlie Brown passaram a ter uma carga infinita de afeto pra mim.
Depois, já adulta, tive meus momentos de regressão infantil ao comprar cadernos, agendas, caixinhas e outros badulaques. Mas a glória mesmo foi quando fui trabalhar no JB e, um dia, cheguei com uma echarpe vermelha que eu adoro. Uma colega bateu o olho em mim e falou que eu estava a cara do Snoopy de aviador. Depois desse dia, segui ainda mais identificada com ele, rsrs.
E agora decidi que quero fazer o chá do Lipe com esse tema. Quero saber o que você acha. Minha defesa foi boa? Espero ter conseguido te convencer! ;)
Hoje o pequeno e eu passamos o dia muito conectados, vibrando juntos no orgulho que sentimos de você. Esperamos que o seu début diante das plateias filipinas tenha sido lindo. Lipe falou que você estava muito elegante na festa e que ele quer ser igualzinho a você quando ele crescer.
Te amamos muito!
Saudade sem fim,
Dany
domingo, 14 de setembro de 2014
Diário da saudade - Dias 15 a 19
Dias 15, 16, 17, 18 e 19 - início de setembro, caminhando para meados.
*Para ler ao som de Amor Brando, da Karina Buhr.
Eu já sinto um calor de amor, de amor,
quando você chega aqui...
Eu já sinto um calor de amor, de amor,
quando você chega aqui...
Tava tudo tão facinho no rasinho
E eu, sem me dar conta, assim, fui indo
Agora sinto um calor de amor
quando você chega aqui
E eu te peço que
se aproxime de mim um pouco
mas não tanto
a ponto d' eu sentir sua falta
quando você for embora...
É domingo. Karina Buhr canta com aquele sotaque pernambucano delicioso enquanto eu tento avaliar mais projetos. Meu pensamento dança junto com ela e vai encontrar você, que deve estar dormindo neste momento. Te faço carinho, beijo seu rosto, mexo nos seus cabelos com corte filipino. Te dou um beijo macio e desejo que durma com os anjos. Volto do passeio pelos oceanos, pelo Pacífico, pelos tufões. Volto para a minha bancada de trabalho. E penso que, em breve, esse carinho todo vai sair do campo da imaginação e ganhar concretude. Não vejo a hora, meu amor.
Escuto a música e me lembro de todos os momentos que passamos juntos aqui. A festa da Embaixada do Canadá, em que você veio andando na minha direção com um sorriso lindo e verdadeiro, sim, como se não houvesse nada mais ao redor. Eu achando seu sotaque carioca engraçado. Danyéaaallla, o século é delessssh, você me dizia em relação ao seu encantamento pela Ásia. Eu me sentindo um peixe fora d'água por estar colorida feito uma mulher de Almodóvar em meio ao pessoal de terno e tailleur, todos muito sóbrios. Você disse que eu coloria o ambiente, e eu ri, sem graça, mas encantada com você.
Não nos desgrudamos desde então. E olha que já enfrentamos muita saudade - nunca ausência. Lembro que você viajou de férias para o Rio logo depois que nos conhecemos. Foram 20 dias em que eu te escrevi religiosamente. Nos falávamos sempre por mensagem ou telefone, e olha que nem namorávamos ainda. Nada estava dito sobre isso. Mas era como se não precisasse. Por 20 dias, te mandei um trecho de música diariamente no projeto que chamei #umamúsicapordiaparaJoão. Tudo isso por mensagem. É. O amor em tempos de Whatsapp.
Você voltou de férias e cinco dias depois, se não me engano, eu viajei para o México para o casamento da Grazi. Foram 15 dias por lá. Também nos falamos diariamente. Agora, já oficialmente namorados. A cada coisa que eu via, eu queria compartilhar com você. As ruínas, as pirâmides, a loucura cosmopolita da Cidade do México, a beleza de San Cristobal de las Casas e a alegria do casamento da minha amiga de infância diante do mar de Cancun. Acho que você teria adorado tudo. E eu teria adorado cada segundo com você.
Depois desse início sob o signo da saudade, acho que fomos nos talhando para o que vivemos hoje, para esses dois meses de espera interminável. Um prelúdio. Somos fortes, nêgo. Temos o trabalho para mergulhar. Temos, sobretudo, a lembrança de seis meses muito bem vividos na vibração do amor. Um amor muito genuíno, de quem não espera que o outro seja nada além do que ele é. Com você eu me sinto assim, sabia? Feliz aqui e agora. Você tem ideia do valor que isso tem para uma pessoa ansiosa crônica, que sempre se acostumou a estar ou no passado ou no futuro? É. You got the power, babe.
Eu ia começar esta carta me desculpando pelos dias em que fiquei sem te escrever por conta da correria e blá blá blá. Mas aí me dei conta, ainda na primeira linha, de que não era preciso. Você sabe exatamente o que se passa aqui. De modo que não é a freqüência dos dias que faz do nosso diário da saudade ser o que ele é. O que escrevo aqui é só uma pontinha de tudo o que eu sinto por você.
Quero que você vá me esperar no aeroporto com o mesmo sorriso da mostra de cinema. E que me conte um monte de histórias, com toda a carioquice que você puder.
Eu prometo voltar a te contar histórias para dormir.
Como a do menino que carrega o mar e, por isso, o sotaque ondula.
Vou pensar nos desdobramentos desse menino diante de outros mares, revoltos por tufões e pelas monções do sudeste asiático.
Acho que a mudança de paisagens e as vastidões têm mostrado a ele que, onde quer que ele esteja, cabe na alma sempre tanto mar.
E tanto amar.
Mil beijos enquanto você dorme,
Dany
P.s.: Tomei a liberdade de roubar essa foto do seu Instagram, porque acho linda. Mais lindo é o seu olhar.
*Para ler ao som de Amor Brando, da Karina Buhr.
Eu já sinto um calor de amor, de amor,
quando você chega aqui...
Eu já sinto um calor de amor, de amor,
quando você chega aqui...
Tava tudo tão facinho no rasinho
E eu, sem me dar conta, assim, fui indo
Agora sinto um calor de amor
quando você chega aqui
E eu te peço que
se aproxime de mim um pouco
mas não tanto
a ponto d' eu sentir sua falta
quando você for embora...
É domingo. Karina Buhr canta com aquele sotaque pernambucano delicioso enquanto eu tento avaliar mais projetos. Meu pensamento dança junto com ela e vai encontrar você, que deve estar dormindo neste momento. Te faço carinho, beijo seu rosto, mexo nos seus cabelos com corte filipino. Te dou um beijo macio e desejo que durma com os anjos. Volto do passeio pelos oceanos, pelo Pacífico, pelos tufões. Volto para a minha bancada de trabalho. E penso que, em breve, esse carinho todo vai sair do campo da imaginação e ganhar concretude. Não vejo a hora, meu amor.
Escuto a música e me lembro de todos os momentos que passamos juntos aqui. A festa da Embaixada do Canadá, em que você veio andando na minha direção com um sorriso lindo e verdadeiro, sim, como se não houvesse nada mais ao redor. Eu achando seu sotaque carioca engraçado. Danyéaaallla, o século é delessssh, você me dizia em relação ao seu encantamento pela Ásia. Eu me sentindo um peixe fora d'água por estar colorida feito uma mulher de Almodóvar em meio ao pessoal de terno e tailleur, todos muito sóbrios. Você disse que eu coloria o ambiente, e eu ri, sem graça, mas encantada com você.
Não nos desgrudamos desde então. E olha que já enfrentamos muita saudade - nunca ausência. Lembro que você viajou de férias para o Rio logo depois que nos conhecemos. Foram 20 dias em que eu te escrevi religiosamente. Nos falávamos sempre por mensagem ou telefone, e olha que nem namorávamos ainda. Nada estava dito sobre isso. Mas era como se não precisasse. Por 20 dias, te mandei um trecho de música diariamente no projeto que chamei #umamúsicapordiaparaJoão. Tudo isso por mensagem. É. O amor em tempos de Whatsapp.
Você voltou de férias e cinco dias depois, se não me engano, eu viajei para o México para o casamento da Grazi. Foram 15 dias por lá. Também nos falamos diariamente. Agora, já oficialmente namorados. A cada coisa que eu via, eu queria compartilhar com você. As ruínas, as pirâmides, a loucura cosmopolita da Cidade do México, a beleza de San Cristobal de las Casas e a alegria do casamento da minha amiga de infância diante do mar de Cancun. Acho que você teria adorado tudo. E eu teria adorado cada segundo com você.
Depois desse início sob o signo da saudade, acho que fomos nos talhando para o que vivemos hoje, para esses dois meses de espera interminável. Um prelúdio. Somos fortes, nêgo. Temos o trabalho para mergulhar. Temos, sobretudo, a lembrança de seis meses muito bem vividos na vibração do amor. Um amor muito genuíno, de quem não espera que o outro seja nada além do que ele é. Com você eu me sinto assim, sabia? Feliz aqui e agora. Você tem ideia do valor que isso tem para uma pessoa ansiosa crônica, que sempre se acostumou a estar ou no passado ou no futuro? É. You got the power, babe.
Eu ia começar esta carta me desculpando pelos dias em que fiquei sem te escrever por conta da correria e blá blá blá. Mas aí me dei conta, ainda na primeira linha, de que não era preciso. Você sabe exatamente o que se passa aqui. De modo que não é a freqüência dos dias que faz do nosso diário da saudade ser o que ele é. O que escrevo aqui é só uma pontinha de tudo o que eu sinto por você.
Quero que você vá me esperar no aeroporto com o mesmo sorriso da mostra de cinema. E que me conte um monte de histórias, com toda a carioquice que você puder.
Eu prometo voltar a te contar histórias para dormir.
Como a do menino que carrega o mar e, por isso, o sotaque ondula.
Vou pensar nos desdobramentos desse menino diante de outros mares, revoltos por tufões e pelas monções do sudeste asiático.
Acho que a mudança de paisagens e as vastidões têm mostrado a ele que, onde quer que ele esteja, cabe na alma sempre tanto mar.
E tanto amar.
Mil beijos enquanto você dorme,
Dany
P.s.: Tomei a liberdade de roubar essa foto do seu Instagram, porque acho linda. Mais lindo é o seu olhar.
terça-feira, 9 de setembro de 2014
Diário da saudade - Dia 14
Dia 14 - 09/09/14
*Para ler ao som de O Passeio da Boa Vista, da Legião.
Meu tão querido João,
Reparou que o título dessa carta é quase um palíndromo? 14-9-9-14. Os números estão auspiciosos. Como está auspiciosa a lua lá fora, a super lua a iluminar as superquadras. Não me canso de admirar. Gosto dessas coisas que nos devolvem à nossa dimensão de bichos da terra tão pequenos. A lua cheia, deslumbrante; os ipês amarelos que me arrebatam a cada viagem; a chuva que devolveu o frescor a Brasília, mesmo que por poucas horas. Um pouco dessa umidade ainda paira, mas os dias ainda são muito secos. Você, se estivesse aqui, estaria sofrendo.
Não vou falar da correria. Quero falar é das coisas inúteis, dos desobjetos, dos pequenos prazeres. Quero caminhar com você pelo parque que fica aí perto e do qual você sempre me fala. Não vejo a hora de passearmos juntos pela feirinha de sábado, de explorarmos a cidade, de mapearmos a nossa Manila - aquela dos afetos, dos espaços nossos.
Noto que a vida vai tomando rumo por aí. Você já recuperou a mala extraviada, já se adaptou ao fuso e já está até olhando um apê bacana pra gente morar com nosso filhote. Tempus tempora temperat, como diz você no seu Instagram.
Sinto falta de acordar ao seu lado, de ver debate eleitoral junto, de tentar ver filme antes de dormir e sempre acabar dormindo. Será que algum dia a gente termina de ver O Gato do Rabino? Acho que vamos terminar de ver com o Lipe. Anota isso.
Por aqui, espero. A hora de deixar minha cidade, de explorar novas paisagens, de estar de novo no seu abraço, de abraçar nosso filho.
Amor e saudade,
Dany
*Para ler ao som de O Passeio da Boa Vista, da Legião.
Meu tão querido João,
Reparou que o título dessa carta é quase um palíndromo? 14-9-9-14. Os números estão auspiciosos. Como está auspiciosa a lua lá fora, a super lua a iluminar as superquadras. Não me canso de admirar. Gosto dessas coisas que nos devolvem à nossa dimensão de bichos da terra tão pequenos. A lua cheia, deslumbrante; os ipês amarelos que me arrebatam a cada viagem; a chuva que devolveu o frescor a Brasília, mesmo que por poucas horas. Um pouco dessa umidade ainda paira, mas os dias ainda são muito secos. Você, se estivesse aqui, estaria sofrendo.
Não vou falar da correria. Quero falar é das coisas inúteis, dos desobjetos, dos pequenos prazeres. Quero caminhar com você pelo parque que fica aí perto e do qual você sempre me fala. Não vejo a hora de passearmos juntos pela feirinha de sábado, de explorarmos a cidade, de mapearmos a nossa Manila - aquela dos afetos, dos espaços nossos.
Noto que a vida vai tomando rumo por aí. Você já recuperou a mala extraviada, já se adaptou ao fuso e já está até olhando um apê bacana pra gente morar com nosso filhote. Tempus tempora temperat, como diz você no seu Instagram.
Sinto falta de acordar ao seu lado, de ver debate eleitoral junto, de tentar ver filme antes de dormir e sempre acabar dormindo. Será que algum dia a gente termina de ver O Gato do Rabino? Acho que vamos terminar de ver com o Lipe. Anota isso.
Por aqui, espero. A hora de deixar minha cidade, de explorar novas paisagens, de estar de novo no seu abraço, de abraçar nosso filho.
Amor e saudade,
Dany
Diário da saudade - dias 10, 11, 12 e 13
Dias 10, 11, 12 e 13 - de 5 a 8 de setembro
* Para ler ao som de Leila, da Legião Urbana.
Amor meu,
Essa é a primeira cartinha em que eu preciso reunir vários dias num só, por pura falta de tempo. Não é que eu falte em te escrever. Escrevo cartas pra você a todo segundo: enquanto dirijo, enquanto estou no supermercado, no trabalho, enquanto repasso o dia antes de dormir. Cartas que nem todas ganham materialidade. Muitas ideias se perdem no caminho, muitas das coisas que eu queria contar eu antecipo pelo Skype. O fato é que você não me sai do pensamento, mesmo nos dias mais corridos.
E esses têm sido dias difíceis. Hoje nos falamos mais cedo e eu pedi desculpas por não estar lá com o melhor dos ânimos ultimamente, pelo meu cansaço. Você, sempre incrível, disse que havia ganhado na loto se todos os meus dias ruins fossem assim. Nós rimos juntos e eu consegui desanuviar por alguns momentos do turbilhão em que ando metida. Você sempre consegue me acalmar, já reparou?
Mas amanhã começa tudo de novo. Correria, médico, exames, coisas do fórum, irritações e aquele freela que está me tirando o sono. Hoje me peguei pensando que, na verdade, eu devo gostar desse turbilhão. É, acho que é um vício. Pensa comigo: eu fiz um filme enquanto fazia mestrado e trabalhava, tudo ao mesmo tempo. Foram tempos muito difíceis, mas há algo nessa adrenalina que me atrai. Porque, quando vejo, lá estou eu numa situação kamikaze novamente. Como agora: grávida, prestes a me mudar para o outro lado do mundo, ainda trabalhando...vou e aceito um freela grande e difícil. Não parece haver mesmo um padrão aí? Eis a minha forma de estar no mundo. Um paradoxo: buscar uma situação e reclamar dela. Se pararmos para ver, muita gente cai nessa armadilha. Por isso é bom manter a lucidez quando começamos nos vitimizar para nós mesmos.
Como quando eu não consegui abrir o pote de palmito. Explico. Na minha cabeça, o pote de palmito era a minha recompensa do fim do dia por ter realizado com louvor todas as metas que estabeleci. Eu fiz compras na quinta-feira, depois do pilates, e o palmito era uma espécie de super trunfo da geladeira. Aí, na sexta-feira, depois de analisar mil projetos e de ter tido um dia do cão, resolvi que merecia um momento sublime e lá fui eu, flutuando até a geladeira, abrir meu vidrinho de palmito. Quase em estado de graça. Aí que eu não consegui abrir a tampa. De jeito nenhum. Tentei com a ajuda do pano de prato, tentei apoiar de tudo quanto foi jeito. Bateu um desespero, uma vontade de chorar e eu me vi num processo de vitimização absurdo, pensando em como a vida era uma droga porque eu estava sozinha em casa numa sexta à noite tentando abrir uma droga de vidro de palmito sem sucesso, enquanto você estava do outro lado do mundo sem poder me ajudar. Tudo seria tão mais lindo se você estivesse aqui!
Deve ter durado uns 15 minutos esse meu momento Charlie Brown. Aí eu me lembrei de uma música pouco conhecida da Legião e que eu adoro: Leila. Lembrei também, com carinho, que um grande amigo meu, o Raphael Veleda, sempre disse que achava essa música a minha cara. É, a Leila é definitivamente uma workaholic envolvida no turbilhão do dia-a-dia. Lá pelas tantas, o eu-lírico (seria o Renato?) diz pra ela:
Às vezes as coisas são difíceis, minha amiga. Mas você sabe enfrentar a beleza dessa vida.
Coloquei para tocar e consegui rir de mim mesma. Da minha correria, da minha saudade e do meu vidro de palmito fechado hermeticamente.
Todo o meu amor,
Dany
* Para ler ao som de Leila, da Legião Urbana.
Amor meu,
Essa é a primeira cartinha em que eu preciso reunir vários dias num só, por pura falta de tempo. Não é que eu falte em te escrever. Escrevo cartas pra você a todo segundo: enquanto dirijo, enquanto estou no supermercado, no trabalho, enquanto repasso o dia antes de dormir. Cartas que nem todas ganham materialidade. Muitas ideias se perdem no caminho, muitas das coisas que eu queria contar eu antecipo pelo Skype. O fato é que você não me sai do pensamento, mesmo nos dias mais corridos.
E esses têm sido dias difíceis. Hoje nos falamos mais cedo e eu pedi desculpas por não estar lá com o melhor dos ânimos ultimamente, pelo meu cansaço. Você, sempre incrível, disse que havia ganhado na loto se todos os meus dias ruins fossem assim. Nós rimos juntos e eu consegui desanuviar por alguns momentos do turbilhão em que ando metida. Você sempre consegue me acalmar, já reparou?
Mas amanhã começa tudo de novo. Correria, médico, exames, coisas do fórum, irritações e aquele freela que está me tirando o sono. Hoje me peguei pensando que, na verdade, eu devo gostar desse turbilhão. É, acho que é um vício. Pensa comigo: eu fiz um filme enquanto fazia mestrado e trabalhava, tudo ao mesmo tempo. Foram tempos muito difíceis, mas há algo nessa adrenalina que me atrai. Porque, quando vejo, lá estou eu numa situação kamikaze novamente. Como agora: grávida, prestes a me mudar para o outro lado do mundo, ainda trabalhando...vou e aceito um freela grande e difícil. Não parece haver mesmo um padrão aí? Eis a minha forma de estar no mundo. Um paradoxo: buscar uma situação e reclamar dela. Se pararmos para ver, muita gente cai nessa armadilha. Por isso é bom manter a lucidez quando começamos nos vitimizar para nós mesmos.
Como quando eu não consegui abrir o pote de palmito. Explico. Na minha cabeça, o pote de palmito era a minha recompensa do fim do dia por ter realizado com louvor todas as metas que estabeleci. Eu fiz compras na quinta-feira, depois do pilates, e o palmito era uma espécie de super trunfo da geladeira. Aí, na sexta-feira, depois de analisar mil projetos e de ter tido um dia do cão, resolvi que merecia um momento sublime e lá fui eu, flutuando até a geladeira, abrir meu vidrinho de palmito. Quase em estado de graça. Aí que eu não consegui abrir a tampa. De jeito nenhum. Tentei com a ajuda do pano de prato, tentei apoiar de tudo quanto foi jeito. Bateu um desespero, uma vontade de chorar e eu me vi num processo de vitimização absurdo, pensando em como a vida era uma droga porque eu estava sozinha em casa numa sexta à noite tentando abrir uma droga de vidro de palmito sem sucesso, enquanto você estava do outro lado do mundo sem poder me ajudar. Tudo seria tão mais lindo se você estivesse aqui!
Deve ter durado uns 15 minutos esse meu momento Charlie Brown. Aí eu me lembrei de uma música pouco conhecida da Legião e que eu adoro: Leila. Lembrei também, com carinho, que um grande amigo meu, o Raphael Veleda, sempre disse que achava essa música a minha cara. É, a Leila é definitivamente uma workaholic envolvida no turbilhão do dia-a-dia. Lá pelas tantas, o eu-lírico (seria o Renato?) diz pra ela:
Às vezes as coisas são difíceis, minha amiga. Mas você sabe enfrentar a beleza dessa vida.
Coloquei para tocar e consegui rir de mim mesma. Da minha correria, da minha saudade e do meu vidro de palmito fechado hermeticamente.
Todo o meu amor,
Dany
sexta-feira, 5 de setembro de 2014
Diário da saudade - Dia 09
Dia 09 - 04/09/14
*Para ler ao som de Pra Sonhar, do Marcelo Jeneci.
Amor meu,
Hoje o dia começou na correria. Fui para a minha aula de pilates e, saindo de lá, passei no supermercado para abastecer a casa - afinal minha geladeira só tinha goma de tapioca, água e gelo. Comprei frutas e um monte de coisas saudáveis. Voltei toda serelepe, feliz da vida com a alimentação saudável que eu teria até as compras acabarem. Mas a alegria durou pouco. Foi só entrar na quadra para lembrar que moro na comercial e que nunca, nunca, tem vaga. Estacionei longe pra caramba e aí veio a outra parte do pesadelo: carregar as compras até meu prédio. Depois de andar sob o sol dos dias mais quentes do ano, cheguei e...tcharã: o porteiro não estava por aqui e tive que subir os três lances de escada cheia de sacolas. É. Quando a gente acha que não pode piorar, barata voa. Cheguei exausta e, num momento Scarlett O'Hara, bradei: “Jamais morarei num prédio sem garagem e elevador novamente!”.
Respirei, guardei as compras e liguei para a Qatar para ver se conseguia descobrir o paradeiro da sua mala. Acho que avançamos. A moça que me atendeu disse que localizaram várias malas pretas entre Doha e Manila e vão checar se alguma bate com a sua. Oremos! Amanhã ligo novamente para monitorar.
À tarde, fui para o trabalho e contei as horas para falar com você via Skype. Essa é a melhor hora do meu dia, sabia? Conversamos sobre tantas coisas hoje, até sobre eleições, que eu consegui abstrair a nossa distância por alguns momentos. Parecia que você estava perto. Tão longe, tão perto.
E assim, no meio de tantos assuntos do dia-a-dia, você me disse que havia mudado o status de relacionamento no Facebook para "casado". Silêncio. Eu, que conheço a sua discrição nas redes sociais, ri e falei que, já que você tinha dado esse passo, só me restava casar com você também. E assim o fiz, de modo que consta nos autos do Facebook que, no dia 4 de setembro de 2014, Danyella Proença casou.
Na verdade, nos casamos bem antes. Nos casamos desde que vimos um no outro o companheirismo de que tanto gostamos. Desde que você me deixou um bilhete junto com o café da manhã e a chave da sua casa, dizendo que eu ficasse à vontade porque aquela era minha casa também. Desde que eu te dei a chave do meu carro quando você vendeu o seu.
Desde que passou a existir a conjugação do nosso. E o nosso plano de mudarmos juntos para Manila foi sacudido pela descoberta da quintessência dessa conjugação: teríamos um filho.
Fizemos oficialmente a nossa união estável no dia 7 de julho, dia do meu aniversário. Desde então, somos companheiros no papel. Lembro-me de ter passado algumas semanas confusa com o novo "título". Eu continuava a te chamar de namorado e você achava engraçado. Hoje, não sei mais do que te chamo. Acho que chamo amor. E isso me basta. Nesta palavra, cabem todos os nomes que acumulamos: namorados, companheiros, casados. Os pais do Lipe, com toda uma vida juntos para escrevermos a nossa história.
Apenas começamos.
Um brinde à nossa nova família!
Mil beijos,
Dany
*Para ler ao som de Pra Sonhar, do Marcelo Jeneci.
Amor meu,
Hoje o dia começou na correria. Fui para a minha aula de pilates e, saindo de lá, passei no supermercado para abastecer a casa - afinal minha geladeira só tinha goma de tapioca, água e gelo. Comprei frutas e um monte de coisas saudáveis. Voltei toda serelepe, feliz da vida com a alimentação saudável que eu teria até as compras acabarem. Mas a alegria durou pouco. Foi só entrar na quadra para lembrar que moro na comercial e que nunca, nunca, tem vaga. Estacionei longe pra caramba e aí veio a outra parte do pesadelo: carregar as compras até meu prédio. Depois de andar sob o sol dos dias mais quentes do ano, cheguei e...tcharã: o porteiro não estava por aqui e tive que subir os três lances de escada cheia de sacolas. É. Quando a gente acha que não pode piorar, barata voa. Cheguei exausta e, num momento Scarlett O'Hara, bradei: “Jamais morarei num prédio sem garagem e elevador novamente!”.
Respirei, guardei as compras e liguei para a Qatar para ver se conseguia descobrir o paradeiro da sua mala. Acho que avançamos. A moça que me atendeu disse que localizaram várias malas pretas entre Doha e Manila e vão checar se alguma bate com a sua. Oremos! Amanhã ligo novamente para monitorar.
À tarde, fui para o trabalho e contei as horas para falar com você via Skype. Essa é a melhor hora do meu dia, sabia? Conversamos sobre tantas coisas hoje, até sobre eleições, que eu consegui abstrair a nossa distância por alguns momentos. Parecia que você estava perto. Tão longe, tão perto.
E assim, no meio de tantos assuntos do dia-a-dia, você me disse que havia mudado o status de relacionamento no Facebook para "casado". Silêncio. Eu, que conheço a sua discrição nas redes sociais, ri e falei que, já que você tinha dado esse passo, só me restava casar com você também. E assim o fiz, de modo que consta nos autos do Facebook que, no dia 4 de setembro de 2014, Danyella Proença casou.
Na verdade, nos casamos bem antes. Nos casamos desde que vimos um no outro o companheirismo de que tanto gostamos. Desde que você me deixou um bilhete junto com o café da manhã e a chave da sua casa, dizendo que eu ficasse à vontade porque aquela era minha casa também. Desde que eu te dei a chave do meu carro quando você vendeu o seu.
Desde que passou a existir a conjugação do nosso. E o nosso plano de mudarmos juntos para Manila foi sacudido pela descoberta da quintessência dessa conjugação: teríamos um filho.
Fizemos oficialmente a nossa união estável no dia 7 de julho, dia do meu aniversário. Desde então, somos companheiros no papel. Lembro-me de ter passado algumas semanas confusa com o novo "título". Eu continuava a te chamar de namorado e você achava engraçado. Hoje, não sei mais do que te chamo. Acho que chamo amor. E isso me basta. Nesta palavra, cabem todos os nomes que acumulamos: namorados, companheiros, casados. Os pais do Lipe, com toda uma vida juntos para escrevermos a nossa história.
Apenas começamos.
Um brinde à nossa nova família!
Mil beijos,
Dany
quarta-feira, 3 de setembro de 2014
Diário da saudade - Dia 08
Dia 08 - 03/09/14
*Para ler ao som de Sugar Water, do Cibo Matto, e Todo o Sentimento, do Chico Buarque.
Em Brasília, 21h36min. O horário eleitoral acabou e a novela começa, já cheia de barrigas e outros sinais de cansaço narrativo. Me aborreço com isso e resolvo escrever. Em Manila, a manhã começa. Os trabalhadores estão em seus postos, os carros apressam-se nas ruas, os jeepneys colorem a cidade levando gente de um canto a outro das várias ilhas. Sete mil ilhas, você me disse certa vez.
Num pontinho de uma dessas ilhas, lá está você, caminhando exausto para a embaixada após mais uma noite mal dormida por conta do fuso horário. Você está de terno e carrega sua pasta de documentos. Alguns locais passam por você e dizem, amáveis: “good morning, siiiir!”, com aquela música ao fim das frases tão característico das filipinas. Você sorri e segue andando, enquanto pensa que tudo o que queria, na verdade, é que o fim de semana chegasse para você ter tempo de pifar em paz, quieto, no seu canto.
Eu deito na cama, ligo o computador e começo a te escrever. Abro uma outra janela com os projetos que preciso analisar. Ainda faltam muitos. Por isso fui dormir ontem às três da manhã. Tive poucas horas de sono. Hoje meu dia começou bem cedo, quando você estava indo dormir. Atravessei a cidade para ir a uma consulta com a obstetra. Descobri que estou com deficiência de cálcio, reflexo da falta de leite e derivados por conta da intolerância à lactose.
Saí do consultório com uma receita de suplemento para manipular. Mais uma longa volta de carro sob o sol dos dias mais quentes do ano até chegar à farmácia. De lá, corri para o Fórum. Almocei por lá mesmo para dar tempo de chegar na hora ao trabalho. Uma comida mais ou menos - bem mais pra menos - num dia mais ou menos. Um dia em que tudo o que eu queria era ter o direito de ficar quietinha em casa, de dormir. Meu corpo pedia uma pausa.
Como o seu, aí, do outro lado do mundo. Mundo que não para de girar.
Estou tão cansada que mal consigo articular os pensamentos. Mas uma coisa me é recorrente: imaginar o que você está fazendo no momento. É quase uma brincadeira. Agora, enquanto escrevo, será que você está tomando um café para se manter desperto? E quando você tomar seu café, o que será que estarei fazendo?
Gosto de imaginar nós dois num videoclipe com a tela dividida ao meio mostrando duas ações simultâneas. Aquele recurso utilizado à exaustão, mas que, quando bem utilizado, pode render ótimos resultados. Como nas mãos do Michel Gondry em Sugar Water. De um lado, você começando seu dia nas Filipinas. Do outro, eu me preparando para encerrar os trabalhos.
Nos encontramos no meio, num tempo suspenso das nossas narrativas cotidianas. No tempo da delicadeza, como bem cantou o Chico. Onde não haja cansaço e eu possa seguir, como encantada, ao lado teu.
Todo o sentimento,
Dany
*Para ler ao som de Sugar Water, do Cibo Matto, e Todo o Sentimento, do Chico Buarque.
Em Brasília, 21h36min. O horário eleitoral acabou e a novela começa, já cheia de barrigas e outros sinais de cansaço narrativo. Me aborreço com isso e resolvo escrever. Em Manila, a manhã começa. Os trabalhadores estão em seus postos, os carros apressam-se nas ruas, os jeepneys colorem a cidade levando gente de um canto a outro das várias ilhas. Sete mil ilhas, você me disse certa vez.
Num pontinho de uma dessas ilhas, lá está você, caminhando exausto para a embaixada após mais uma noite mal dormida por conta do fuso horário. Você está de terno e carrega sua pasta de documentos. Alguns locais passam por você e dizem, amáveis: “good morning, siiiir!”, com aquela música ao fim das frases tão característico das filipinas. Você sorri e segue andando, enquanto pensa que tudo o que queria, na verdade, é que o fim de semana chegasse para você ter tempo de pifar em paz, quieto, no seu canto.
Eu deito na cama, ligo o computador e começo a te escrever. Abro uma outra janela com os projetos que preciso analisar. Ainda faltam muitos. Por isso fui dormir ontem às três da manhã. Tive poucas horas de sono. Hoje meu dia começou bem cedo, quando você estava indo dormir. Atravessei a cidade para ir a uma consulta com a obstetra. Descobri que estou com deficiência de cálcio, reflexo da falta de leite e derivados por conta da intolerância à lactose.
Saí do consultório com uma receita de suplemento para manipular. Mais uma longa volta de carro sob o sol dos dias mais quentes do ano até chegar à farmácia. De lá, corri para o Fórum. Almocei por lá mesmo para dar tempo de chegar na hora ao trabalho. Uma comida mais ou menos - bem mais pra menos - num dia mais ou menos. Um dia em que tudo o que eu queria era ter o direito de ficar quietinha em casa, de dormir. Meu corpo pedia uma pausa.
Como o seu, aí, do outro lado do mundo. Mundo que não para de girar.
Estou tão cansada que mal consigo articular os pensamentos. Mas uma coisa me é recorrente: imaginar o que você está fazendo no momento. É quase uma brincadeira. Agora, enquanto escrevo, será que você está tomando um café para se manter desperto? E quando você tomar seu café, o que será que estarei fazendo?
Gosto de imaginar nós dois num videoclipe com a tela dividida ao meio mostrando duas ações simultâneas. Aquele recurso utilizado à exaustão, mas que, quando bem utilizado, pode render ótimos resultados. Como nas mãos do Michel Gondry em Sugar Water. De um lado, você começando seu dia nas Filipinas. Do outro, eu me preparando para encerrar os trabalhos.
Nos encontramos no meio, num tempo suspenso das nossas narrativas cotidianas. No tempo da delicadeza, como bem cantou o Chico. Onde não haja cansaço e eu possa seguir, como encantada, ao lado teu.
Todo o sentimento,
Dany
terça-feira, 2 de setembro de 2014
Diário da saudade - Dia 07
Dia 07 - 02/09/14
*Para ler ao som de Swing de Campo Grande, dos Novos Baianos.
Hoje pela manhã nos falamos antes de eu sair para o pilates. Foi uma conversa breve, mas deu para matar um pouco da saudade. Temos nos desencontrado no fuso, não é? Lost in translation. Você ri da minha confusão e me faz rir da minha própria leseira. “Imagina quando for minha vez?”, penso eu. Melhor nem pensar.
Fico feliz em ver que seu organismo já está quase 100% adaptado. Você me disse que já sente sono durante a noite e fome nos horários “certos”. Bom sinal. Só fico chateada pela sua mala, que ainda não chegou. Combinamos que eu vou tentar te ajudar por aqui a resolver tudo. Gosto disso, desse nosso companheirismo. É tão natural: eu me sinto bem quando consigo te ajudar e vice-versa. Não há recompensas. O prêmio é só a satisfação de fazer bem ao outro.
Acho que esta é uma das coisas mais bonitas da nossa história, sabia? Sempre foi assim, desde que você, na nossa primeira semana de namoro, foi comigo até a rodoviária me ajudar a resolver o perrengue do passaporte para o México. Você lembra? O atendente perguntou se eu era sua filha. Eu quase morri de vergonha (e de ódio!), mas você levou tudo com tanta leveza que me restou rir da situação.
Não faltam lembranças do nosso companheirismo: a febre na Bahia, quando você cuidou de mim; a sua reação à vacina maluca, quando você foi lá pra casa e ganhou muito xodó; você comigo na fila do pronto-socorro quando eu torci o pé dançando um frevo apocalíptico. Lendo assim, parece até que somos um casal senil que só vive doente, né?
Mas talvez a imagem mais forte que tenho desta parceria é a sua mudança. Estivemos juntos, o tempo todo, a organizar os objetos, encaixotar, jogar coisas fora, ressignificar tantas outras. Assim fomos por vários dias, em várias viagens até a minha casa carregando coisas, até esvaziar por completo o seu apartamento. Foi um processo exaustivo, mas passamos juntos por tudo – a dor e a delícia.
A delícia vai ser estar aí em breve ao seu lado, exercitando todo esse companheirismo em terras filipinas. Não vejo a hora de chegar. Fico ansiosa imaginando as várias coisas que eu vou querer fazer, explorar, estudar, desvendar. Ao mesmo tempo, me dá ansiedade pensar em algumas coisas que vão ficar, temporariamente, para trás.
Como o carnaval. Vê só: a pessoa pode ficar sem feijão, sem os ipês amarelos, sem tapioca. Mas como é que fica sem carnaval?
Taí, essa é mais uma afinidade nossa das que eu mais gosto: o coração carnavalesco. Penso nisso e abro um sorriso instantâneo. Imagino o Lipe vestido de pirata no seu ombro, enquanto pulamos no Bloco da Tesourinha. Ele vai ter uma mini sombrinha de frevo e vai aprender a dançar. Também vai aprender a bater tambor e a amar as cirandas e os maracatus. Seguiremos nós três por muitos e muitos carnavais. Em Manila, em Brasília, no Rio. Em qualquer lugar.
Porque, onde estivermos, haverá carnaval.
E tenho dito.
Amo você,
Dany
*Para ler ao som de Swing de Campo Grande, dos Novos Baianos.
Hoje pela manhã nos falamos antes de eu sair para o pilates. Foi uma conversa breve, mas deu para matar um pouco da saudade. Temos nos desencontrado no fuso, não é? Lost in translation. Você ri da minha confusão e me faz rir da minha própria leseira. “Imagina quando for minha vez?”, penso eu. Melhor nem pensar.
Fico feliz em ver que seu organismo já está quase 100% adaptado. Você me disse que já sente sono durante a noite e fome nos horários “certos”. Bom sinal. Só fico chateada pela sua mala, que ainda não chegou. Combinamos que eu vou tentar te ajudar por aqui a resolver tudo. Gosto disso, desse nosso companheirismo. É tão natural: eu me sinto bem quando consigo te ajudar e vice-versa. Não há recompensas. O prêmio é só a satisfação de fazer bem ao outro.
Acho que esta é uma das coisas mais bonitas da nossa história, sabia? Sempre foi assim, desde que você, na nossa primeira semana de namoro, foi comigo até a rodoviária me ajudar a resolver o perrengue do passaporte para o México. Você lembra? O atendente perguntou se eu era sua filha. Eu quase morri de vergonha (e de ódio!), mas você levou tudo com tanta leveza que me restou rir da situação.
Não faltam lembranças do nosso companheirismo: a febre na Bahia, quando você cuidou de mim; a sua reação à vacina maluca, quando você foi lá pra casa e ganhou muito xodó; você comigo na fila do pronto-socorro quando eu torci o pé dançando um frevo apocalíptico. Lendo assim, parece até que somos um casal senil que só vive doente, né?
Mas talvez a imagem mais forte que tenho desta parceria é a sua mudança. Estivemos juntos, o tempo todo, a organizar os objetos, encaixotar, jogar coisas fora, ressignificar tantas outras. Assim fomos por vários dias, em várias viagens até a minha casa carregando coisas, até esvaziar por completo o seu apartamento. Foi um processo exaustivo, mas passamos juntos por tudo – a dor e a delícia.
A delícia vai ser estar aí em breve ao seu lado, exercitando todo esse companheirismo em terras filipinas. Não vejo a hora de chegar. Fico ansiosa imaginando as várias coisas que eu vou querer fazer, explorar, estudar, desvendar. Ao mesmo tempo, me dá ansiedade pensar em algumas coisas que vão ficar, temporariamente, para trás.
Como o carnaval. Vê só: a pessoa pode ficar sem feijão, sem os ipês amarelos, sem tapioca. Mas como é que fica sem carnaval?
Taí, essa é mais uma afinidade nossa das que eu mais gosto: o coração carnavalesco. Penso nisso e abro um sorriso instantâneo. Imagino o Lipe vestido de pirata no seu ombro, enquanto pulamos no Bloco da Tesourinha. Ele vai ter uma mini sombrinha de frevo e vai aprender a dançar. Também vai aprender a bater tambor e a amar as cirandas e os maracatus. Seguiremos nós três por muitos e muitos carnavais. Em Manila, em Brasília, no Rio. Em qualquer lugar.
Porque, onde estivermos, haverá carnaval.
E tenho dito.
Amo você,
Dany
Diário da saudade - Dias 04, 05 e 06
Dias 04, 05 e 06 - Fim de agosto e início de setembro
* Para ler ao som de All things must pass, do George Harrison.
Agosto acabou e finalmente começa setembro. Esses dois últimos dias do mês passaram de forma confusa na minha cabeça. Acho que estou sofrendo de jet lag junto contigo. Misturo as datas, as horas, não sei se dormimos ou acordamos. Toda uma nova logística é necessária, mas ainda tateio. As melhores horas do dia são quando nos falamos no Skype. E, como foi fim de semana, pudemos falar com calma. Como é bom ouvir você, ver você no vídeo - mesmo que todo pixelado! Percebo que você já está mais ambientado no seu novo habitat. Já passeou, já se molhou com as chuvas da Ásia de Monções, que a gente estuda nas aulas de geografia...já até começou a trabalhar!
Fiquei muito feliz com as novidades e com a sua nomeação. Você merece todo o carinho e reconhecimento, João! Eu e seu filhote ficamos num orgulho danado.
Por falar nele, precisamos te contar que Lipe e eu passamos o domingo quase todo jogando videogame. Sim! Conseguimos instalar o Hi Top Game na casa da Di. Não vejo a hora de ensiná-lo a passar de fase no Super Mario 3. Mas tem que ser o jogo retrô do videogame velho da mamãe. Mamãe só sabe jogar esse. Só fita em que o boneco anda pra frente, pra trás e pula. Apenas isso. Nada de coisa 3D, de hiper-realismo. Ah, serão tempos muito divertidos com o nosso pequeno! Penso nisso e me dá uma saudade absurda de você.
No sábado, fui visitar a tia Julia e todos mandaram mil beijos. Luluca não estava lá, uma pena! Era o fim de semana dela ficar com o pai. Sabe, tenho passado mais tempo ao lado das meninas. Percebo que, nesses momentos de melancolia, estar perto da nossa base faz muito bem. E é isso o que tenho buscado, o amor da família e dos amigos.
Na segunda, voltei pra casa. É preciso enfrentar, não é mesmo? A bagunça, as lembranças suas, a minha solidão temporária. A rosa que eu te dei quando completamos 5 meses juntos já murchou, mas vou aproveitar uma brecha na semana para abastecer a casa de flores. Gosto disso. É uma forma minha de não me desconectar da beleza da vida, mesmo quando triste. Gérberas, astromélias, jasmins...cores para perfumar a casa de parede vermelha.
Esses dias têm sido, certamente, os mais quentes do ano. A umidade chega a 15%. Você se livrou, heim? A paisagem é de aridez, com muitas folhas secas. Mas os ipês estão por toda a cidade, preparando o terreno para a primavera. Acho que essa beleza de florir em meio à seca vai amenizando o peso com que os dias passam neste calor. Fica difícil respirar, produzir normalmente, mas a graça da contemplação nos lembra que vai passar. All things must pass.
Te falei em como a consciência desta frase me foi uma cura para a ansiedade crônica, né? Que Rivotril, que nada! Entender e assumir a impermanência foi uma virada de chave. Não querer, a todo custo, ditar o rumo das coisas. Não perder o chão quando tudo parece fora de controle. Porque também isso vai passar.
Percebo que estou repetitiva a falar sobre o tempo. Deve ser porque é a reflexão que me ocupa a alma desde que você viajou. O que é este tempo aqui, sozinha, este interlúdio? Não conseguimos viajar juntos, no mesmo tempo. Procuro compreender o que posso tirar desse aparente desencontro. Enquanto isso, arrumo a casa para o Felipe crescer bonito, entre flores e alegria.
Que o nosso sorriso de orgulho por suas conquistas e por tudo o que você é possa chegar até aí e adoçar o seu dia. Ou noite! Quem se importa a esta altura?
Todo o nosso amor,
Dany
* Para ler ao som de All things must pass, do George Harrison.
Agosto acabou e finalmente começa setembro. Esses dois últimos dias do mês passaram de forma confusa na minha cabeça. Acho que estou sofrendo de jet lag junto contigo. Misturo as datas, as horas, não sei se dormimos ou acordamos. Toda uma nova logística é necessária, mas ainda tateio. As melhores horas do dia são quando nos falamos no Skype. E, como foi fim de semana, pudemos falar com calma. Como é bom ouvir você, ver você no vídeo - mesmo que todo pixelado! Percebo que você já está mais ambientado no seu novo habitat. Já passeou, já se molhou com as chuvas da Ásia de Monções, que a gente estuda nas aulas de geografia...já até começou a trabalhar!
Fiquei muito feliz com as novidades e com a sua nomeação. Você merece todo o carinho e reconhecimento, João! Eu e seu filhote ficamos num orgulho danado.
Por falar nele, precisamos te contar que Lipe e eu passamos o domingo quase todo jogando videogame. Sim! Conseguimos instalar o Hi Top Game na casa da Di. Não vejo a hora de ensiná-lo a passar de fase no Super Mario 3. Mas tem que ser o jogo retrô do videogame velho da mamãe. Mamãe só sabe jogar esse. Só fita em que o boneco anda pra frente, pra trás e pula. Apenas isso. Nada de coisa 3D, de hiper-realismo. Ah, serão tempos muito divertidos com o nosso pequeno! Penso nisso e me dá uma saudade absurda de você.
No sábado, fui visitar a tia Julia e todos mandaram mil beijos. Luluca não estava lá, uma pena! Era o fim de semana dela ficar com o pai. Sabe, tenho passado mais tempo ao lado das meninas. Percebo que, nesses momentos de melancolia, estar perto da nossa base faz muito bem. E é isso o que tenho buscado, o amor da família e dos amigos.
Na segunda, voltei pra casa. É preciso enfrentar, não é mesmo? A bagunça, as lembranças suas, a minha solidão temporária. A rosa que eu te dei quando completamos 5 meses juntos já murchou, mas vou aproveitar uma brecha na semana para abastecer a casa de flores. Gosto disso. É uma forma minha de não me desconectar da beleza da vida, mesmo quando triste. Gérberas, astromélias, jasmins...cores para perfumar a casa de parede vermelha.
Esses dias têm sido, certamente, os mais quentes do ano. A umidade chega a 15%. Você se livrou, heim? A paisagem é de aridez, com muitas folhas secas. Mas os ipês estão por toda a cidade, preparando o terreno para a primavera. Acho que essa beleza de florir em meio à seca vai amenizando o peso com que os dias passam neste calor. Fica difícil respirar, produzir normalmente, mas a graça da contemplação nos lembra que vai passar. All things must pass.
Te falei em como a consciência desta frase me foi uma cura para a ansiedade crônica, né? Que Rivotril, que nada! Entender e assumir a impermanência foi uma virada de chave. Não querer, a todo custo, ditar o rumo das coisas. Não perder o chão quando tudo parece fora de controle. Porque também isso vai passar.
Percebo que estou repetitiva a falar sobre o tempo. Deve ser porque é a reflexão que me ocupa a alma desde que você viajou. O que é este tempo aqui, sozinha, este interlúdio? Não conseguimos viajar juntos, no mesmo tempo. Procuro compreender o que posso tirar desse aparente desencontro. Enquanto isso, arrumo a casa para o Felipe crescer bonito, entre flores e alegria.
Que o nosso sorriso de orgulho por suas conquistas e por tudo o que você é possa chegar até aí e adoçar o seu dia. Ou noite! Quem se importa a esta altura?
Todo o nosso amor,
Dany
segunda-feira, 1 de setembro de 2014
Diário da saudade - Dia 03
Dia 03 - 29/08/14
*Para ler ao som de As coisas tão mais lindas, na voz da Cássia Eller.
Hoje, no meu fuso horário, você finalmente chegou a Manila. Após quase dois dias viajando, imagino o quanto você devia estar cansado. Uma lógica mental completamente diferente - quase uma volta completa no globo, no relógio, no organismo. Passei a tarde no trabalho pensando em como deve ter sido a sua chegada. Será que foram te buscar no aeroporto? Será que você achou fácil o hotel? Será que conseguiu comer? Será que conseguiu cochilar? A tarde, definitivamente, foi um momento de “serás”.
Saí do trabalho com aquela falta de rumo típica de quem está triste. A verdade é que eu não queria voltar pra casa e dar de cara com a minha solidão escancarada - as suas coisas ainda estavam por lá, resquícios da correria da mudança, algumas sacolas e objetos que você não quis levar. Tudo, absolutamente tudo, me lembra você. Fico assim, meio sem coragem de começar a organizar o espaço. Sem coragem para tirar você de vista.
Nessa fuga, achei que me faria bem ir ao cinema. Para minha sorte, começou nesta semana o Brasilia International Film Festival, o BIFF. Você me disse uma vez que, mesmo há poucos anos aqui, foi a todas as edições. Tenho certeza de que, caso você ainda não tivesse viajado, lá estaríamos, juntos, acompanhando tudo. Saí do ministério rumo ao Cine Brasília. Assisti a um filme da Letônia chamado Mãe, eu te amo. O diretor, um cara bem novo chamado Janis Nords, estava lá e ficou para o debate no fim da sessão. O filme é bacana. Conta a história de um menino de uns 11 anos bem travesso, uma pestinha que vive aprontando na escola e levando anotações na agenda. Ele começa a mentir para encobrir uma dessas anotações e vai se enredando na teia de mentiras, até que tem que cortar um dobrado pra resolver a confusão.
O interessante, pra mim, foi o pano de fundo da relação dele com a mãe. São só os dois. O pai não aparece, sequer é mencionado. Eles - o menino e ela - vivem num paradoxo de muita proximidade (são só os dois numa casa pequena) e, ao mesmo tempo, muita distância. Os diálogos às vezes parecem protocolares. Como foi o dia na escola? Bom. Ok. A mesma coisa de sempre. Levou anotações? Não. Que bom. Continue assim. Beijo na testa e a vida continua, cada um seguindo seu rumo. Interessante pensar no quanto as atitudes da mãe influenciam as atitudes do garoto. No fim, um jogo de espelhos.
Saí de lá empolgada, mas pensando em como eu queria que você estivesse comigo. As coisas lindas são mais lindas quando você está. Essa música faz todo o sentido do mundo. A vida continua por aqui, mas falta um bocadinho de cor. Os ipês amarelos estão cada dia mais deslumbrantes, mas eu gostava mesmo era de discutir com você qual era o ipê mais bonito da cidade! Gostava de rir junto contigo. Como faz falta!
Outro dia, me lembrei de alguma besteira sua enquanto estava esperando para atravessar o sinal. Comecei a gargalhar sozinha. O povo em volta não entendeu nada. E quem disse que eu lembro o que foi? Foi assim, algum lampejo de marmota sua. E isso, esse simples lampejo, me fez rir no meio da rua e esquecer a melancolia. Assim vou indo.
Depois do filme, fui para casa e consegui falar com você pelo Skype. Era manhã de sábado aí e você estava bem cansado. Contou que o café da manhã era esquisito e que sua mala foi extraviada - justamente a que tinha chinelo e tênis - e que você estava de sapato social em pleno fim de semana. Dei uma de Bandido da Luz Vermelha e mandei um “quem estiver de sapato não sobra!”, mas você não riu da minha piada boba. Senti que você queria sair logo para comprar um chinelo, dar uma volta, reconhecer o terreno. Tudo te agoniava.
Nos despedimos e eu fui dormir. Com o pensamento firme no fato de que, quando eu acordasse, seria noite aí e você já estaria mais calmo. Eu, que sou super coruja, me senti como uma criança em véspera de Natal: querendo dormir logo pro tempo passar e logo já ser amanhã.
(na verdade, eu queria fechar os olhos e acordar em outubro)
O tempo, João. O tempo! O tempo vai fazer seu cansaço passar, sua mala chegar, você se acostumar com o café da manhã, seu organismo se adaptar ao fuso. Vai fazer os ipês de Brasília florescerem, os dias mais secos do ano ficarem pra trás, a chuva chegar, o Lipe crescer, setembro voar.
Oxalá!
Amo você, bem muito,
Dany.
P.s.: A tela aqui de cima é de um cara super talentoso, o Rodrigo Nardotto. Ele tem vários quadros que são a cara de Brasília. Guarda esse ipê com você, pra matar a saudade :)
*Para ler ao som de As coisas tão mais lindas, na voz da Cássia Eller.
Hoje, no meu fuso horário, você finalmente chegou a Manila. Após quase dois dias viajando, imagino o quanto você devia estar cansado. Uma lógica mental completamente diferente - quase uma volta completa no globo, no relógio, no organismo. Passei a tarde no trabalho pensando em como deve ter sido a sua chegada. Será que foram te buscar no aeroporto? Será que você achou fácil o hotel? Será que conseguiu comer? Será que conseguiu cochilar? A tarde, definitivamente, foi um momento de “serás”.
Saí do trabalho com aquela falta de rumo típica de quem está triste. A verdade é que eu não queria voltar pra casa e dar de cara com a minha solidão escancarada - as suas coisas ainda estavam por lá, resquícios da correria da mudança, algumas sacolas e objetos que você não quis levar. Tudo, absolutamente tudo, me lembra você. Fico assim, meio sem coragem de começar a organizar o espaço. Sem coragem para tirar você de vista.
Nessa fuga, achei que me faria bem ir ao cinema. Para minha sorte, começou nesta semana o Brasilia International Film Festival, o BIFF. Você me disse uma vez que, mesmo há poucos anos aqui, foi a todas as edições. Tenho certeza de que, caso você ainda não tivesse viajado, lá estaríamos, juntos, acompanhando tudo. Saí do ministério rumo ao Cine Brasília. Assisti a um filme da Letônia chamado Mãe, eu te amo. O diretor, um cara bem novo chamado Janis Nords, estava lá e ficou para o debate no fim da sessão. O filme é bacana. Conta a história de um menino de uns 11 anos bem travesso, uma pestinha que vive aprontando na escola e levando anotações na agenda. Ele começa a mentir para encobrir uma dessas anotações e vai se enredando na teia de mentiras, até que tem que cortar um dobrado pra resolver a confusão.
O interessante, pra mim, foi o pano de fundo da relação dele com a mãe. São só os dois. O pai não aparece, sequer é mencionado. Eles - o menino e ela - vivem num paradoxo de muita proximidade (são só os dois numa casa pequena) e, ao mesmo tempo, muita distância. Os diálogos às vezes parecem protocolares. Como foi o dia na escola? Bom. Ok. A mesma coisa de sempre. Levou anotações? Não. Que bom. Continue assim. Beijo na testa e a vida continua, cada um seguindo seu rumo. Interessante pensar no quanto as atitudes da mãe influenciam as atitudes do garoto. No fim, um jogo de espelhos.
Saí de lá empolgada, mas pensando em como eu queria que você estivesse comigo. As coisas lindas são mais lindas quando você está. Essa música faz todo o sentido do mundo. A vida continua por aqui, mas falta um bocadinho de cor. Os ipês amarelos estão cada dia mais deslumbrantes, mas eu gostava mesmo era de discutir com você qual era o ipê mais bonito da cidade! Gostava de rir junto contigo. Como faz falta!
Outro dia, me lembrei de alguma besteira sua enquanto estava esperando para atravessar o sinal. Comecei a gargalhar sozinha. O povo em volta não entendeu nada. E quem disse que eu lembro o que foi? Foi assim, algum lampejo de marmota sua. E isso, esse simples lampejo, me fez rir no meio da rua e esquecer a melancolia. Assim vou indo.
Depois do filme, fui para casa e consegui falar com você pelo Skype. Era manhã de sábado aí e você estava bem cansado. Contou que o café da manhã era esquisito e que sua mala foi extraviada - justamente a que tinha chinelo e tênis - e que você estava de sapato social em pleno fim de semana. Dei uma de Bandido da Luz Vermelha e mandei um “quem estiver de sapato não sobra!”, mas você não riu da minha piada boba. Senti que você queria sair logo para comprar um chinelo, dar uma volta, reconhecer o terreno. Tudo te agoniava.
Nos despedimos e eu fui dormir. Com o pensamento firme no fato de que, quando eu acordasse, seria noite aí e você já estaria mais calmo. Eu, que sou super coruja, me senti como uma criança em véspera de Natal: querendo dormir logo pro tempo passar e logo já ser amanhã.
(na verdade, eu queria fechar os olhos e acordar em outubro)
O tempo, João. O tempo! O tempo vai fazer seu cansaço passar, sua mala chegar, você se acostumar com o café da manhã, seu organismo se adaptar ao fuso. Vai fazer os ipês de Brasília florescerem, os dias mais secos do ano ficarem pra trás, a chuva chegar, o Lipe crescer, setembro voar.
Oxalá!
Amo você, bem muito,
Dany.
P.s.: A tela aqui de cima é de um cara super talentoso, o Rodrigo Nardotto. Ele tem vários quadros que são a cara de Brasília. Guarda esse ipê com você, pra matar a saudade :)
domingo, 31 de agosto de 2014
Diário da saudade - Dia 02
Dia 02 - 28/08/14
*Para ler ao som de Minhas Lágrimas, do Caetano Veloso, e depois Here Comes The Sun, na voz da Nina Simone.
Primeiro dia sem você aqui. Tive muita dificuldade para dormir só de imaginar você 15 horas dentro de um avião sobrevoando o oceano na madrugada escura. Eu sou paranóica com aviões, eu sei. Falamos sobre isso na primeira vez em que saímos, lembra? Eu te contei que fiquei com trauma depois de cobrir a queda do avião da Gol quando fazia estágio na Globo. Lembro de ter desembestado a falar de grooving na pista, reverso pinado, tubos de pitot e outros detalhes que devem ter feito eu parecer uma doida aos seus olhos. Mas você resistiu. Lembro de você falar com doçura que voar, para você, era muito tranquilo. Então tentei ficar tranquila também, o que só aconteceu, de fato, depois que você mandou a primeira mensagem do aeroporto de Doha.
Acordei cedo sem a ajuda do despertador. Acho que o convívio com você tem me dado esse condicionamento - logo eu, que sempre odiei as manhãs e que acordava ao meio-dia se deixassem. Fiquei um longo tempo ainda na cama, sem energia para levantar. O sentimento era de uma falta de motivação tremenda. Tristeza mesmo. Olhei em volta, fiz uma festinha sem graça com o Orfeu e voltei a fechar os olhos.
Me senti como o Caetano Veloso na música: nada serve de chão onde caiam minhas lágrimas.
Uns desertos ilhados por um Pacífico turvo. Todas as imagens dessa música me cabiam. Todas cabiam em mim. Foi quase uma hora em que fiquei deitada, pensando, pensando, acarinhando a tristeza em vez de brigar com ela. Soledad, aqui están mis credenciales - como naquela outra música, do Drexler.
Foi assim, entre músicas e recuerdos, que vi um filete de sol ultrapassar a barreira da cortina. O quarto estava ainda bastante escuro, eu havia fechado todo o blackout, mas o sol já impunha sua força. Pensei imediatamente em como você, para mim, é associado ao Sol - com maiúscula mesmo. O cara que gosta de acordar cedo para correr, de caminhar no Eixão, de pegar praia, de ir para a rua... para a vida!
O Sol, João, representa toda essa sua energia yang, para mim. Alegre, divertido, luminoso. E então, guiada por esse insight, resolvi sair do mergulho lunar em que eu estava. Achei que você ficaria feliz vendo que eu e Lipe fomos para o Sol. Abri a cortina, deixei a luz entrar, tomei um café da manhã cheio de frutas e, pasme, fui malhar. É isso mesmo que você leu: ma-lhar. De manhã. Dá pra acreditar?
Percebi que o melhor antídoto para a melancolia é me aproximar das imagens que me são você.
Feito o Sol.
Ao lado dele, seguimos.
*Para ler ao som de Minhas Lágrimas, do Caetano Veloso, e depois Here Comes The Sun, na voz da Nina Simone.
Primeiro dia sem você aqui. Tive muita dificuldade para dormir só de imaginar você 15 horas dentro de um avião sobrevoando o oceano na madrugada escura. Eu sou paranóica com aviões, eu sei. Falamos sobre isso na primeira vez em que saímos, lembra? Eu te contei que fiquei com trauma depois de cobrir a queda do avião da Gol quando fazia estágio na Globo. Lembro de ter desembestado a falar de grooving na pista, reverso pinado, tubos de pitot e outros detalhes que devem ter feito eu parecer uma doida aos seus olhos. Mas você resistiu. Lembro de você falar com doçura que voar, para você, era muito tranquilo. Então tentei ficar tranquila também, o que só aconteceu, de fato, depois que você mandou a primeira mensagem do aeroporto de Doha.
Acordei cedo sem a ajuda do despertador. Acho que o convívio com você tem me dado esse condicionamento - logo eu, que sempre odiei as manhãs e que acordava ao meio-dia se deixassem. Fiquei um longo tempo ainda na cama, sem energia para levantar. O sentimento era de uma falta de motivação tremenda. Tristeza mesmo. Olhei em volta, fiz uma festinha sem graça com o Orfeu e voltei a fechar os olhos.
Me senti como o Caetano Veloso na música: nada serve de chão onde caiam minhas lágrimas.
Uns desertos ilhados por um Pacífico turvo. Todas as imagens dessa música me cabiam. Todas cabiam em mim. Foi quase uma hora em que fiquei deitada, pensando, pensando, acarinhando a tristeza em vez de brigar com ela. Soledad, aqui están mis credenciales - como naquela outra música, do Drexler.
Foi assim, entre músicas e recuerdos, que vi um filete de sol ultrapassar a barreira da cortina. O quarto estava ainda bastante escuro, eu havia fechado todo o blackout, mas o sol já impunha sua força. Pensei imediatamente em como você, para mim, é associado ao Sol - com maiúscula mesmo. O cara que gosta de acordar cedo para correr, de caminhar no Eixão, de pegar praia, de ir para a rua... para a vida!
O Sol, João, representa toda essa sua energia yang, para mim. Alegre, divertido, luminoso. E então, guiada por esse insight, resolvi sair do mergulho lunar em que eu estava. Achei que você ficaria feliz vendo que eu e Lipe fomos para o Sol. Abri a cortina, deixei a luz entrar, tomei um café da manhã cheio de frutas e, pasme, fui malhar. É isso mesmo que você leu: ma-lhar. De manhã. Dá pra acreditar?
Percebi que o melhor antídoto para a melancolia é me aproximar das imagens que me são você.
Feito o Sol.
Ao lado dele, seguimos.
sábado, 30 de agosto de 2014
Diário da saudade - Dia 01
Dia 01 - 27/08/14
*Para ler ao som de Mother, John Lennon.
Pela manhã, te ajudei com as malas e os últimos preparativos para a viagem. De tarde fui trabalhar e tentei mergulhar nas demandas de imprensa para não pensar que, dali a algumas horas, eu precisaria me despedir de você. Fomos juntos até o aeroporto. Você falava sobre sua ansiedade e também sobre a coragem necessária para ir até o outro lado do mundo. Eu ouvia tudo do banco do carona, fazia sinal com a cabeça de que sim, você é muito corajoso, e mais corajosos somos nós dois juntos de irmos dar à luz nosso filhote nas Filipinas.
Serão dois meses até irmos te encontrar. Eu pensava nisso o tempo todo, mas evitava verbalizar para não transparecer minha tristeza adiantada. Vamos falar das coisas boas, das novidades que você vai ver, do trabalho, das pessoas, das paisagens! Ah, não adiantou. Você me conhece muito bem. Eu tentei disfarçar o choro enquanto via você tomar o Manhattan mais mal servido da sua vida no bar do aeroporto. Eu e Lipe não podemos beber, você sabe. Então ficamos ali, olhando você, sua ansiedade, sua preocupação em baixar as últimas músicas e carregar o telefone. Eu não podia me mexer direito, porque encostava o pé na tomada e dava mal contato. Você ficava bravo. Eu entendia: não é comigo; ele também está sofrendo, e essa é a maneira dele de botar pra fora. Sempre foi assim, não foi? Eu choro, canceriana que sou. Você explode, tão escorpiano. Aprendi a ter leveza nessa dança.
Tentei disfarçar o choro e tiramos uma última foto juntos antes de você embarcar. Faltavam 15 minutos. Você me beijou com saudade, com tristeza, com amor, com coragem, com sede de pertencermos juntos ao desconhecido. Nos levantamos e seguimos até o seu portão de embarque. Um silêncio cheio de palavras, essas coisas que falamos para encobrir os momentos em que só um abraço bastaria. Caminhamos. É, havia chegado a hora.
Você me disse para eu ficar bem e cuidar do nosso filho. “Cuida do meu filho”: foi exatamente o que você me disse. Você me abraçou e disse que logo estaríamos juntos, que você ia na frente para preparar o terreno para nós e que seríamos, nós três, muito felizes lá. Você pediu que eu prometesse que seríamos felizes. Eu, que quase não gosto de prometer nada, prometi.
Sempre acho que as promessas são um peso, porque o mundo é cheio de mistérios e parece uma prepotência prometer porque nada está totalmente sob o nosso controle.
Mas, ali, percebi: a beleza da promessa não é ter a garantia, mas empenhar todo o nosso desejo para que algo aconteça. Prometer é dizer: no que depender de mim, eu farei tudo para que isso aconteça.
Então prometemos, juntos, que seremos muito felizes em Manila.
Que assim seja, João.
Você respirou fundo, me deu um último beijo, um até daqui a pouco, entregou o bilhete para o rapaz do embarque e seguiu sem olhar pra trás. Quando você dobrou a esquina e saiu do meu campo de visão, não aguentei e chorei tudo o que estava guardado. Eu, a soluçar no aeroporto numa quarta-feira à noite, entre tantas chegadas e partidas. Senti vergonha por estar com o rosto totalmente inchado a esta altura. Aí me lembrei do que a Cristina me diria: deixa vir.
Minha tristeza era tanta naquele momento que virou uma dor física, aquele tal aperto no peito que nos acompanha nessas horas. Em vez de tentar controlar, resolvi me conectar a essa dor e comecei a olhar em volta. Não, não havia só pessoas segurando o choro no aeroporto. Em vários cantos vi pessoas com os olhos cheios de lágrimas. Sentadas num café com os olhos distantes, em pé na fila do estacionamento, ganhando um abraço de algum familiar. Lá estavam elas, as pessoas que ficam, lidando com sua saudade. Um aeroporto é mesmo um lugar peculiar: lá cabe a euforia da chegada e o coração apertado da partida.
E somos, afinal, feitos desses dois extremos. Conhecemos os dois estados, humanos que somos. O bom de sentir a tristeza é saber que ela passa e que a alegria do reencontro há de ser a próxima parada.
Até daqui a pouco, meu amor.
Infinito e além,
Dany
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
Meditação diante do mar
As palavras têm sentido quando nos habitam.
Pensamento que me veio com a brisa do mar da Bahia, na chegada de carro até Trancoso. Sentada em frente ao mar, escrevi assim:
Por que eu voltei a Trancoso querendo encontrar o mar da minha infância? A mesma cor, as mesmas ondas (a mesma onda que eu furava com a minha mãe e não tinha medo). Só que a cor é outra. O mar é mexido. As ondas fazem outro movimento. Menos doce, mais agitado. E eu me agito junto porque esta não é a Trancoso que eu procurava. Falta o sol; falta a cachorra Xuxa correndo atrás dos caranguejos que se escondiam na areia; falta a ponte que era a travessia da casa para o infinito.
A ponte passava sobre o mangue. O mangue era feio e sujo, mas era passagem necessária, diária.
Certa vez, a chave do vizinho caiu dentro do mangue. O Raizero, que trabalhava na pousada, teve que mergulhar para procurar. Um homem na lama não em procura de caranguejos, mas de uma chave que não era dele.
Que é isso, procurar uma chave na sujeira infinita e pastosa do mangue? Que me foi isso?
O mangue é sujo ou é o ecossistema mais puro e sujo somos nós? Que não damos conta da travessia (a ponte!) e temos que deixar cair sobre ela a chave da nossa alma? Eu ia escrever "alma" e duvidei da palavra. Casa e alma se me confundem.
Diante do mar, vou perdendo o medo do ridículo, de baixar a guarda e, por um segundo, fazer uma escolha errada que vai me expor ao pra sempre do ridículo. Um gesto, uma fala, um riso sem medida de uma coisa sem graça mas que pra mim é engraçada e eu posso rir mesmo que ninguém ria.
Eu senti falta da Trancoso da minha infância e me sentei de frente ao mar para meditar. Meus pés doeram, não encontrei conforto para minhas memórias tão caras e, então, resolvi escrever.
Ao fim desta página, percebo que meditei mais do que se tivesse apenas meditado como acho que devo achar que é meditar.
Chove. As palavras começam a borrar. Penso em levantar e voltar para o seco, o protegido. Mas também penso que é disso que estou falando aqui e pra onde esta meditação me chamou:
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Então fico.
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