quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Do amor e da fotografia

Há dois amores que nasceram simultaneamente na minha vida: a fotografia e a Luisa, minha afilhada. Luluca nasceu quando entrei na universidade, em 2002. Foi lá também que comecei a ter aulas de fotografia. Enquanto eu aprendia a perceber as nuances da luz e a operar uma câmera analógica, aprendia também muito sobre as possibilidades de amor que uma criança traz. A chegada da Luluca iluminou tudo. E essa luz foi fundamental para me ensinar a fotografar.

Lembro que eu fugia para a casa dela a cada intervalo entre as aulas. Como eu não tinha carro, ia de ônibus, com minha câmera a tiracolo. Ficava lá, observando cada gesto da minha pequena, sem pressa. Descobri assim que as boas fotografias se dão pela relação estabelecida com o objeto fotografado. Quando esse objeto se desdobra em afeto, entra na alquimia outro ingrediente que talvez, no meu caso, me mostre o caminho para o tal punctum de que fala Barthes. O que nos punge. No caso, o que me pungia era o que havia de solar no meu amor pela Luisa. A nossa cumplicidade.


Eu a fotografava e era como se eu pudesse tocar a pele dela com a câmera, acarinhar. Ela se mostrava a mim como quem estava em casa. Assim fomos experimentando, tateando, aprendendo novas linguagens juntas. Perdi as contas de quantos filmes destinei a ela. Aprendi o que era baixa velocidade ao borrar seus movimentos engatinhados. O que era profundidade de campo ao destacar seus dedos equilibrando meus anéis de adolescente hippie, os cabelos ruivos diante de uma paisagem qualquer.


Meu projeto final de fotografia, na faculdade, foi sobre a infância. Mas o que eu queria era fotografar Luisa. Eternizar cada segundo ao lado dela. Fotografar o invisível das brincadeiras que inventamos, a dona aranha subindo pela parede e sendo derrubada pela chuva forte, fotografar as primeiras palavras, as danças.


Se eu pudesse fotografar minha alma fotografando Luluca, ela seria o sol.



Porque assim é Luisa para mim.


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Um esboço sobre a questão das cotas

Sobre cotas para negros, vou tentar esboçar aqui o que eu penso:

Quando o assunto começou a surgir na minha vida, lá atrás, eu estava no ensino médio prestes a fazer o vestibular e minha primeira reação foi ser contrária. Porque tudo o que a gente pensa é na concorrência. Meritocracia! Afinal, eu estudava feito um cão, sempre fui ultra CDF e tirava as melhores notas. Imagina alguém entrar sem o mesmo esforço e pegar a vaga que poderia ser minha?

Fiquei um tempo em cima do muro em relação ao assunto até entrar na UnB, em 2002. Passei pelo PAS para o curso de jornalismo. Se me lembro bem, não havia um negro sequer na minha turma.

Aliás, os abismos eram bem mais do que sociais – me lembro que foi ali que senti, pela primeira vez, que era diferente por morar no Guará, andar de ônibus e nunca ter feito intercâmbio para o exterior nem uma super viagem bacana pra gringa.

Senti o baque, por exemplo, ao ter que negociar com minha mãe a compra de uma régua de metal para a disciplina Planejamento Gráfico. Também ao ter que entrar no revezamento para usar uma das raríssimas câmeras coletivas na aula de fotografia. 

Devo dizer que eu estava longe de me considerar classe baixa. Com todo o sacrifício da minha mãe, estudei em escolas particulares (sempre com bolsa), fiz curso de inglês, viajei nas férias. Eu, que já estava numa parcela privilegiada, senti o baque da desigualdade ao entrar na UnB. Ali, sim, foi o meu microcosmos do universo.

E como foi estranho perceber que, nas aulas na Ala Norte, eu não via negros - a não ser os intercambistas da África! Mas, quando pegava disciplinas mais para os rumos da Ala Sul (Letras, Artes, Pedagogia), eu os via. E via também muita gente que, como eu, morava em cidades satélites e andava de ônibus. 

Mudei minha concepção sobre as cotas aí, por querer ver uma composição mais próxima da realidade em todos os cursos. As cotas começaram a ser implementadas enquanto eu estava na faculdade, acho que em 2003 ou 2004. Me formei em 2006, então tive pouco tempo para sentir as mudanças na prática.

Em 2007, passei num concurso público para Comunicação Social num órgão do Executivo. Aqui na assessoria de imprensa, há apenas um jornalista negro. Não me lembro de ter visto nenhum negro aqui no meu andar, em todos esses anos de ministério. Ah, claro: tirando os garçons, o pessoal da limpeza e de serviços gerais.

Este é o problema, na minha opinião, que faz meu alerta vermelho acender: quando os negros aparecem apenas em posições subalternas, é sinal de que algo está errado.

Fiquei chocada ao visitar Morro de São Paulo, na Bahia, pela primeira vez. Fui pra lá em 2012, depois de passar alguns dias em Salvador. A capital baiana tem, sabidamente, a maior população negra do país. Morro de São Paulo também tem uma grande população negra. Mas ali, diferentemente de Salvador, eu só vi negros na posição de servir os turistas. Algo do tipo: todos os nativos que conheci eram negros e todos trabalhavam como carregadores de mala, garçons etc.

Dentro do resort em que fiquei hospedada, só havia hóspedes brancos. E negros trabalhando para nos servir. Chegou um ponto em que isso começou a me doer demais, a incomodar mesmo. Porque eu queria vê-los desfrutando aquele lugar, que é deles! Conversando com um rapaz, ele me falou que todos os resorts são de estrangeiros. Eles compram as propriedades dos nativos por uma bagatela, mas que é dinheiro suficiente pra mudar a realidade imediata das famílias. As famílias vendem. E acabam trabalhando no mesmo local que antes pertencia a eles, vendo os novos proprietários lucrarem absurdamente enquanto trabalham por uma ninharia.

Isso não é nenhuma novidade. Acontece o tempo todo no nordeste, é a roda do capitalismo girando, a vida é dura e tal - podem dizer alguns. Mas, para mim, foi difícil ver isso e ficar numa boa. Assim como é difícil ver que quase não tive colegas negros na escola, na faculdade e continuo não tendo no trabalho.

Onde estão essas pessoas?


Eu quero que elas estejam ao meu lado, e não me servindo. Por isso sou a favor das cotas. 

18 dias no Japão

Foram 18 dias de sonho e muitas caminhadas pelo Japão. Começamos por Tokyo, onde ficamos por 4 dias. A ideia era entrarmos em contato com c...