terça-feira, 18 de agosto de 2015

A caixinha de música do Filipe

A música é um elemento muito presente na minha relação com o Lipe, desde que ele estava na barriga. Eu sempre lia que era importante conversar com o bebê, mas confesso que achava estranho e, sempre que tentava, batia aquela sensação de estar falando sozinha. Em vez de me sentir culpada, busquei perceber quais eram as nossas formas de conexão, independentemente do que era esperado.

E aí percebi que era a música.

Eu sempre cantei muito para ele. A primeira música que cantei muito quando descobri que estava grávida era Debaixo D' Água, do Arnaldo Antunes, na versão belíssima da Maria Bethânia. Imaginá-lo na minha barriga se formando como um feto, sereno, confortável, amado, completo era algo que me enchia de ternura e me emocionava demais a cada vez que a música tocava. Bom, eu tenho uma história com essa canção há muitos anos. Ela fala à minha alma de quem vive no embate entre o salto no abismo e o que me é protegido. Mas tinha que respirar...todo dia! A música assim me ensinou, e eu fazia questão de frisar esse trecho a cada vez que cantava para o filhote.



Por falar em Arnaldo Antunes, ele foi um dos primeiros arrebatamentos do Lipe. Sim, com apenas uma semana de vida o pequenino já demonstrava o que gostava de ouvir. Um dos discos favoritos dele para a hora de mamar era Qualquer. Embalados pela voz rouca e pela poesia, lá íamos nós madrugada afora, com meu celular do lado fazendo as vezes de caixinha de música. Sempre lembrarei desse álbum com muito carinho. Para mim, ele é sinônimo da construção do nosso vínculo, nós dois ainda desajeitados e nos conhecendo.



No fim da gravidez, me lembro de cantar muito Beautiful Boy, do John Lennon. Essa música me toca por muitos motivos. O mais óbvio é a levada lullaby fofinha, mas essa é só a primeira camada. O que me encanta mesmo é a letra. Acho que, no fundo, eu sempre quis ter um filho só para cantar essa música para ele. Eu cantava para o Lipe e me emocionava por ele ter um pai super presente, que o enchia de amor ainda na barriga. Quando Lennon falava the monster's gone and your daddy is here, eu não conseguia segurar o choro. A música também fala da ansiedade pelo que vai acontecer - e ansiedade era do que eu mais entendia naquela reta final de gravidez.  I can hardly wait to see you come of age but I guess we both just have to be patient 'cause it's a long way to go...! A letra fala da ansiedade, mas dá o antídoto: but in the meantime. Aproveitar o "enquanto isso", o "enquanto ele não nasce", o agora. Afinal - e agora vem o trecho mais incrível e mais certeiro - life is what happens to you while you're busy making other plans! Até hoje canto essa música para o Lipe e ele adora!




Ainda na leva Beatles, gosto de cantar Golden Slumbers na hora de dormir. Golden slumbers fill your eyes/ smiles await you when you rise/ Sleep little darling, do not cry/ I'll sing a lullaby.  Ele vai fechando os olhinhos devagar até adormecer. Beatles versão lullabies, aliás, é trilha obrigatória aqui em casa. Apesar de eu amar a versão original dos Beatles, gosto muito da do Ben Folds, que está na trilha sonora maravilhosa de I am Sam.




Se vocês estão pensando que só tem Beatles e Arnaldo Antunes na setlist do Lipe, estão enganados. Aqui rola muita cantiga de roda. Minha mãe trouxe um disco do Brasil com as cantigas clássicas da nossa infância. A favorita do Lipe nas primeiras semanas foi A Barata. Ele só dormia com essa! João teve que sacar essa música do repertório no primeiro dia em que resolveu descer com Filipe até a cafeteria aqui do lado. Lipe abriu o berreiro...e só a música da barata salvou! Aqui vai a versão do Palavra Cantada, que recomendo fortemente a todos com filhos pequenos - e a todos sem filhos que gostem do universo lúdico, por que não? Essa turma é incrível e ponto.



Depois Lipe enjoou da música da barata e o esquema infalível aqui passou a ser O Galinho. Só que aí começaram a surgir as variações. Eu e João amamos inventar letras em cima das músicas que já existem. Em geral, nada muito criativo...coisas como "O Filipe é bonito", "ele é muito pequenino" e por aí vai. São frases-valise que sempre se encaixam em qualquer letra de criança. Mas às vezes nós nos superamos. Como nesta versão de O Galinho. É que, aqui nas Filipinas, briga de galo é legalizada. E é muito comum as pessoas terem galos para colocá-los para lutar. Além disso, preciso explicar que o traje típico daqui para homens chama-se barong. Daí que a música ficou assim:

Mr. Xun tem um galinho, lalá
Ele é pequenininho, lalá
Mr. Xun lalalá, o galinho, lalá
Galinho Mr.  Xun

Ele usa um baronguinho, lalá
Todo desalinhadinho, lalá
Mr. Xun, lalalá
O galinho, lalá
Galinho Mr. Xun

Ele luta num ringuinho, lalá
E é muito fracotinho, lalá
Mr. Xun, lalalá
O galinho, lalá
Galinho Mr. Xun

Pronto, já registramos nossa pérola para a posteridade. Dever cumprido :P





Filipe é um bebê eclético e as versões vão das cantigas de roda ao reggae de raiz brasileiro. Por isso na hora de trocar a fralda a trilha sonora é Árvore, do Edson Gomes, que ficou assim:

Vem me trocar, mãe!
Vem me trocar!
Vem me trocar, mãe!

Todo santo dia, pois todo dia é santo
E eu...sou um bebê boniiiiiiiiito!
Que precisa ter os seus cuidados

Vem me trocar, mãe!
Vem me trocar!
Vem me trocar, mãe!

P.s.: Essa música tem variações e às vezes é cantada no banho, sob a forma de "vem me banhar, pai!"





Quem me conhece sabe que, quando eu era bebê, eu era ninada pela minha babá (alô, Irene!) ao embalo de Galeguinho dos Zói Azul, do Genival Lacerda. Acho que isso diz muito sobre a minha personalidade, rs. Minha mãe diz que ficava impressionada.  "Como a menina consegue dormir com essa música agitada?", ela se perguntava. Pois é. Eu conseguia. E aí, sem nem perceber, lá está a pessoa aos 31 anos de idade cantando um forró-frevo para Filipe dormir. Pagode Russo, com o mestre Gonzagão!




Daí eu me empolgo e emendo um medley com vários outros frevos e clássicos dos meus carnavais: Voltei, Recife; Vassourinhas; o Hino do Elefante de Olinda; Frevo e Ciranda; Lia de Itamaracá; alguns cocos e maracatus. No auge do baticum é que percebo que são músicas agitadas e que talvez eu devesse estar cantando algo mais calmo. Aí o que eu faço? Em vez de mudar o repertório, mexo no andamento das músicas e canto o frevo assim calminho, baixinho e bem devagarinho até virar canção de ninar.


Para fechar, tem Senhor Cidadão, do Tom Zé, que sempre cantamos na hora de mamar. A letra é bem punk, mas a versão do Lipe ficou assim:

Ó, senhor bebezão!
Eu quero saber, eu quero saber
Com quantos litros de leite
Com quantos litros de leite
Se faz o meu biberão


Inventar músicas e cantar junto com o João para o nosso filho é, sem dúvidas, um dos meus momentos favoritos. São letras que podem não fazer sentido algum para quem está de fora, mas que nos divertem por trazerem vários caquinhos de coisas que vivemos e recolhemos aqui e ali. Por isso são tão especiais! Assim que o Lipe estiver maior, vamos convidá-lo a inventar letras, inventar histórias, inventar o mundo! E assim vamos, juntos, ampliando nossa caixinha de música.




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Foram 18 dias de sonho e muitas caminhadas pelo Japão. Começamos por Tokyo, onde ficamos por 4 dias. A ideia era entrarmos em contato com c...