segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Diário da saudade - Dia 03

Dia 03 - 29/08/14

*Para ler ao som de As coisas tão mais lindas, na voz da Cássia Eller.




Hoje, no meu fuso horário, você finalmente chegou a Manila. Após quase dois dias viajando, imagino o quanto você devia estar cansado. Uma lógica mental completamente diferente - quase uma volta completa no globo, no relógio, no organismo. Passei a tarde no trabalho pensando em como deve ter sido a sua chegada. Será que foram te buscar no aeroporto? Será que você achou fácil o hotel? Será que conseguiu comer? Será que conseguiu cochilar? A tarde, definitivamente, foi um momento de “serás”.

Saí do trabalho com aquela falta de rumo típica de quem está triste. A verdade é que eu não queria voltar pra casa e dar de cara com a minha solidão escancarada - as suas coisas ainda estavam por lá, resquícios da correria da mudança, algumas sacolas e objetos que você não quis levar. Tudo, absolutamente tudo, me lembra você. Fico assim, meio sem coragem de começar a organizar o espaço. Sem coragem para tirar você de vista.

Nessa fuga, achei que me faria bem ir ao cinema. Para minha sorte, começou nesta semana o Brasilia International Film Festival, o BIFF. Você me disse uma vez que, mesmo há poucos anos aqui, foi a todas as edições. Tenho certeza de que, caso você ainda não tivesse viajado, lá estaríamos, juntos, acompanhando tudo. Saí do ministério rumo ao Cine Brasília. Assisti a um filme da Letônia chamado Mãe, eu te amo. O diretor, um cara bem novo chamado Janis Nords, estava lá e ficou para o debate no fim da sessão. O filme é bacana. Conta a história de um menino de uns 11 anos bem travesso, uma pestinha que vive aprontando na escola e levando anotações na agenda. Ele começa a mentir para encobrir uma dessas anotações e vai se enredando na teia de mentiras, até que tem que cortar um dobrado pra resolver a confusão.

O interessante, pra mim, foi o pano de fundo da relação dele com a mãe. São só os dois. O pai não aparece, sequer é mencionado. Eles - o menino e ela - vivem num paradoxo de muita proximidade (são só os dois numa casa pequena) e, ao mesmo tempo, muita distância. Os diálogos às vezes parecem protocolares. Como foi o dia na escola? Bom. Ok. A mesma coisa de sempre. Levou anotações? Não. Que bom. Continue assim. Beijo na testa e a vida continua, cada um seguindo seu rumo. Interessante pensar no quanto as atitudes da mãe influenciam as atitudes do garoto. No fim, um jogo de espelhos.

Saí de lá empolgada, mas pensando em como eu queria que você estivesse comigo. As coisas lindas são mais lindas quando você está. Essa música faz todo o sentido do mundo. A vida continua por aqui, mas falta um bocadinho de cor. Os ipês amarelos estão cada dia mais deslumbrantes, mas eu gostava mesmo era de discutir com você qual era o ipê mais bonito da cidade! Gostava de rir junto contigo. Como faz falta!

Outro dia, me lembrei de alguma besteira sua enquanto estava esperando para atravessar o sinal. Comecei a gargalhar sozinha. O povo em volta não entendeu nada. E quem disse que eu lembro o que foi? Foi assim, algum lampejo de marmota sua. E isso, esse simples lampejo, me fez rir no meio da rua e esquecer a melancolia. Assim vou indo.

Depois do filme, fui para casa e consegui falar com você pelo Skype. Era manhã de sábado aí e você estava bem cansado. Contou que o café da manhã era esquisito e que sua mala foi extraviada - justamente a que tinha chinelo e tênis - e que você estava de sapato social em pleno fim de semana. Dei uma de Bandido da Luz Vermelha e mandei um “quem estiver de sapato não sobra!”, mas você não riu da minha piada boba. Senti que você queria sair logo para comprar um chinelo, dar uma volta, reconhecer o terreno. Tudo te agoniava.

Nos despedimos e eu fui dormir. Com o pensamento firme no fato de que, quando eu acordasse, seria noite aí e você já estaria mais calmo. Eu, que sou super coruja, me senti como uma criança em véspera de Natal: querendo dormir logo pro tempo passar e logo já ser amanhã.

(na verdade, eu queria fechar os olhos e acordar em outubro)

O tempo, João. O tempo! O tempo vai fazer seu cansaço passar, sua mala chegar, você se acostumar com o café da manhã, seu organismo se adaptar ao fuso. Vai fazer os ipês de Brasília florescerem, os dias mais secos do ano ficarem pra trás, a chuva chegar, o Lipe crescer, setembro voar.

Oxalá!

Amo você, bem muito,
Dany.



P.s.: A tela aqui de cima é de um cara super talentoso, o Rodrigo Nardotto. Ele tem vários quadros que são a cara de Brasília. Guarda esse ipê com você, pra matar a saudade :)

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