quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Do amor e da fotografia

Há dois amores que nasceram simultaneamente na minha vida: a fotografia e a Luisa, minha afilhada. Luluca nasceu quando entrei na universidade, em 2002. Foi lá também que comecei a ter aulas de fotografia. Enquanto eu aprendia a perceber as nuances da luz e a operar uma câmera analógica, aprendia também muito sobre as possibilidades de amor que uma criança traz. A chegada da Luluca iluminou tudo. E essa luz foi fundamental para me ensinar a fotografar.

Lembro que eu fugia para a casa dela a cada intervalo entre as aulas. Como eu não tinha carro, ia de ônibus, com minha câmera a tiracolo. Ficava lá, observando cada gesto da minha pequena, sem pressa. Descobri assim que as boas fotografias se dão pela relação estabelecida com o objeto fotografado. Quando esse objeto se desdobra em afeto, entra na alquimia outro ingrediente que talvez, no meu caso, me mostre o caminho para o tal punctum de que fala Barthes. O que nos punge. No caso, o que me pungia era o que havia de solar no meu amor pela Luisa. A nossa cumplicidade.


Eu a fotografava e era como se eu pudesse tocar a pele dela com a câmera, acarinhar. Ela se mostrava a mim como quem estava em casa. Assim fomos experimentando, tateando, aprendendo novas linguagens juntas. Perdi as contas de quantos filmes destinei a ela. Aprendi o que era baixa velocidade ao borrar seus movimentos engatinhados. O que era profundidade de campo ao destacar seus dedos equilibrando meus anéis de adolescente hippie, os cabelos ruivos diante de uma paisagem qualquer.


Meu projeto final de fotografia, na faculdade, foi sobre a infância. Mas o que eu queria era fotografar Luisa. Eternizar cada segundo ao lado dela. Fotografar o invisível das brincadeiras que inventamos, a dona aranha subindo pela parede e sendo derrubada pela chuva forte, fotografar as primeiras palavras, as danças.


Se eu pudesse fotografar minha alma fotografando Luluca, ela seria o sol.



Porque assim é Luisa para mim.


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Um esboço sobre a questão das cotas

Sobre cotas para negros, vou tentar esboçar aqui o que eu penso:

Quando o assunto começou a surgir na minha vida, lá atrás, eu estava no ensino médio prestes a fazer o vestibular e minha primeira reação foi ser contrária. Porque tudo o que a gente pensa é na concorrência. Meritocracia! Afinal, eu estudava feito um cão, sempre fui ultra CDF e tirava as melhores notas. Imagina alguém entrar sem o mesmo esforço e pegar a vaga que poderia ser minha?

Fiquei um tempo em cima do muro em relação ao assunto até entrar na UnB, em 2002. Passei pelo PAS para o curso de jornalismo. Se me lembro bem, não havia um negro sequer na minha turma.

Aliás, os abismos eram bem mais do que sociais – me lembro que foi ali que senti, pela primeira vez, que era diferente por morar no Guará, andar de ônibus e nunca ter feito intercâmbio para o exterior nem uma super viagem bacana pra gringa.

Senti o baque, por exemplo, ao ter que negociar com minha mãe a compra de uma régua de metal para a disciplina Planejamento Gráfico. Também ao ter que entrar no revezamento para usar uma das raríssimas câmeras coletivas na aula de fotografia. 

Devo dizer que eu estava longe de me considerar classe baixa. Com todo o sacrifício da minha mãe, estudei em escolas particulares (sempre com bolsa), fiz curso de inglês, viajei nas férias. Eu, que já estava numa parcela privilegiada, senti o baque da desigualdade ao entrar na UnB. Ali, sim, foi o meu microcosmos do universo.

E como foi estranho perceber que, nas aulas na Ala Norte, eu não via negros - a não ser os intercambistas da África! Mas, quando pegava disciplinas mais para os rumos da Ala Sul (Letras, Artes, Pedagogia), eu os via. E via também muita gente que, como eu, morava em cidades satélites e andava de ônibus. 

Mudei minha concepção sobre as cotas aí, por querer ver uma composição mais próxima da realidade em todos os cursos. As cotas começaram a ser implementadas enquanto eu estava na faculdade, acho que em 2003 ou 2004. Me formei em 2006, então tive pouco tempo para sentir as mudanças na prática.

Em 2007, passei num concurso público para Comunicação Social num órgão do Executivo. Aqui na assessoria de imprensa, há apenas um jornalista negro. Não me lembro de ter visto nenhum negro aqui no meu andar, em todos esses anos de ministério. Ah, claro: tirando os garçons, o pessoal da limpeza e de serviços gerais.

Este é o problema, na minha opinião, que faz meu alerta vermelho acender: quando os negros aparecem apenas em posições subalternas, é sinal de que algo está errado.

Fiquei chocada ao visitar Morro de São Paulo, na Bahia, pela primeira vez. Fui pra lá em 2012, depois de passar alguns dias em Salvador. A capital baiana tem, sabidamente, a maior população negra do país. Morro de São Paulo também tem uma grande população negra. Mas ali, diferentemente de Salvador, eu só vi negros na posição de servir os turistas. Algo do tipo: todos os nativos que conheci eram negros e todos trabalhavam como carregadores de mala, garçons etc.

Dentro do resort em que fiquei hospedada, só havia hóspedes brancos. E negros trabalhando para nos servir. Chegou um ponto em que isso começou a me doer demais, a incomodar mesmo. Porque eu queria vê-los desfrutando aquele lugar, que é deles! Conversando com um rapaz, ele me falou que todos os resorts são de estrangeiros. Eles compram as propriedades dos nativos por uma bagatela, mas que é dinheiro suficiente pra mudar a realidade imediata das famílias. As famílias vendem. E acabam trabalhando no mesmo local que antes pertencia a eles, vendo os novos proprietários lucrarem absurdamente enquanto trabalham por uma ninharia.

Isso não é nenhuma novidade. Acontece o tempo todo no nordeste, é a roda do capitalismo girando, a vida é dura e tal - podem dizer alguns. Mas, para mim, foi difícil ver isso e ficar numa boa. Assim como é difícil ver que quase não tive colegas negros na escola, na faculdade e continuo não tendo no trabalho.

Onde estão essas pessoas?


Eu quero que elas estejam ao meu lado, e não me servindo. Por isso sou a favor das cotas. 

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Carta de aniversário para Fulô





12 de outubro é um dia triplamente especial para mim. Dia das Crianças, dia de Nossa Senhora Aparecida e aniversário da minha amiga-irmã-comparsa Moema Dourado. Penso que não é por acaso que todas essas celebrações caiam no mesmo dia. Porque a nossa amizade, Fulô, perpassa todas essas dimensões. É a base dela. Percebe isso? Nos amamos pela criança que há em nós, pela fé, pelo sagrado, o mistério. É como se fosse uma constelação. Se alguém desenhasse nossas estrelas, ligasse os pontos, tenho certeza de que haveria um para o lúdico, outro para o sagrado.

E veja: é Nossa Senhora Aparecida que enfeita o seu dia. Não é uma santa qualquer. É a padroeira do Brasil, a santa do povo, negra, encontrada por pescadores no fundo de um rio. Sua bondade infinita foi capaz de multiplicar os peixes. Desde então, ela olha pelo povo. Não do alto. Mas do fundo do rio, da alma, das águas. E dentro de nós passa um rio...tanto!

Uma vez escrevi que o que define minha família, os Neves, é o amor por pássaros, oratórios e pequenezas. Somos feitos de rio, de pés no chão, dos afetos bordados na relação com o outro. Hoje vejo, Fulô, que você é parte da minha família. Dizem isso, não é? Que os amigos são a família que a gente escolhe. Você é a família que sempre foi e eu pude reencontrar nessa jornada. Nos encontramos dançando frevo, vejo só! Dança colorida, com a alegria explosiva e genuína das crianças, frevo dos pés no chão, da capoeira dos escravos...olha o nosso universo se conectando de novo.

Estou certa de que viemos juntas desde antes, antes da barriga, antes do tempo, de outros abismos. Juntas para compartilhar a alma de Fulô, para adorar essa Nossa Senhora colorida do Galeno, sem rosto, envolta por pipas e carretéis coloridos.

Estou escrevendo tudo isso no meio de um shopping, enquanto espero meu horário na terapia. Escrevo e meus olhos se enchem de água. Tentei te ligar para dar os parabéns e dizer que te amo, mas você não atendeu. Deve estar aí em Piri, curtindo seu dia na paz das cachoeiras. Está em boas mãos, minha amiga, no abraço da sua mãe Oxum. Pedi a ela para te abraçar ainda mais forte por mim. Hoje e todos os dias.

Te amo!

Da sua Fulô,

Dany


terça-feira, 13 de agosto de 2013

Quando tudo é certeiro e fatal

Tem dias em que o mundo todo me dói. Não me cabe. Tudo me atravessa e é muito: o vendedor de balas no sinal, as crianças da rodoviária, o sol duro das mesmas manhãs, o trânsito, os vazios nossos de cada dia. O abandono dos lugares. As paredes descascadas, o mato alto, as histórias que já foram e as que nunca ou ainda serão. Tudo está aí o tempo todo. Há dias em que simplesmente passo. As coisas passam, de raspão. Há outros em que tudo é certeiro e fatal.

Você se arrepende de ter feito jornalismo?

Outro dia, minha amiga e companheira de trabalho Andréa Xavier me perguntou se eu me arrependia de ter feito jornalismo. Eu parei pra pensar e disse que não. Minha resposta, segundo ela, foi bem "fantástico mundo de Dany". Mas juro que é sincera!

Apesar do mercado ser uma merda, de quase não haver concurso para jornalistas, de trabalharmos feito o cão nas redações sem muitas garantias, sem vida pessoal direito, com plantões e sujeitos a "cortes" o tempo todo, eu digo que adoro ter feito jornalismo.

Porque é uma profissão que me deu ferramentas para fazer o que eu mais gosto: contar histórias. E outra coisa fundamental: estar perto de gente. O jornalismo perpassa todas as minhas outras atividades: o documentário, o cinema, a literatura, a escrita de roteiros, a fotografia....assim como essas atividades me atravessam como jornalista.

Quando eu entrei na UnB, eu tinha pavor de pedir uma informação, mesmo que por telefone. Fui até fazer teatro pra perder a timidez. Mas o que me deu mesmo o jogo de cintura necessário para a vida foi o dia-a-dia do jornalismo.

Gosto disso, de estar em contato com todo tipo de gente, de poder olhar para essas pessoas, da conversa, da entrevista. O ruim do dia-a-dia é a falta de tempo para aprofundar esses encontros, na correria de mil pautas por dia. Mas o gosto pelo "outro", pela alteridade, é algo que eu já tinha e que sem dúvidas o jornalismo me ajudou a exercitar.

Até hoje, quando vou me apresentar, digo primeiro que sou jornalista. As outras coisas que sou, também, de certa forma vêm daí. Ou talvez eu tenha buscado o jornalismo justamente por caberem em mim também todas essas coisas. Sabe-se lá. Ambos os caminhos me fazem sentido : )

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Sobre a cirurgia de desvio de septo


 Se você caiu aqui no meu blog por acaso, provavelmente estava pesquisando no Google sobre cirurgia de desvio de septo. Sim, eu também fiz isso antes de decidir fazer a minha. E é por isso mesmo que resolvi compartilhar a experiência aqui, porque achei cada coisa assustadora na internet que quase desisti da cirurgia. Então, amigos, calma: a coisa não é tão feia quanto parece.

Antes de falar da operação, vou falar um pouco do meu histórico de problemas respiratórios. Eu sempre tive rinite alérgica e já passei por todos os tratamentos possíveis e imaginários (vacinas, alopatia, homeopatia, terapia, bombinhas de corticóide nasal, loratadina, desloratadina e tudo mais). Alguma dessas coisas deve ter melhorado, mas o fato é que continuo alérgica.

Além disso, eu também sofri boa parte da vida com crises crônicas de amigdalite, que me garantiam sempre febre altíssima e algumas semanas de molho em casa, faltando aula e vendo Sessão da Tarde (adorava!). Sério, essa era a parte boa. A parte ruim foi passar a infância sem poder tomar nada gelado. Meu sonho era um picolé ou sorvete. Aí sabem o que minha mãe dizia?? “Ok, pode comprar, mas tem que deixar esquentar”. Deixar esquentar!!! E lá ia meu picolé para o fundo de um copo até virar suco de uva.

Aos 10 anos de idade, minha mãe resolveu considerar a cirurgia para tirar as amígdalas, porque elas eram mesmo muito grandes e viviam infeccionando.  Nessa cirurgia se foram as adenóides também. Resultado: meus problemas de dor de garganta acabaram e eu pude tomar sorvete e gelado para o resto da vida. Final feliz parte 1.

Só que os problemas respiratórios continuaram e meio que o diagnóstico era sempre rinite e é isso aí, a vida é dura, tem que conviver. Eu nunca nem tinha ouvido falar em desvio de septo. Mas uma coisa me incomodava profundamente sempre que eu tirava fotos 3x4 para as carteirinhas do colégio: meu nariz não ficava alinhado com aquele fundinho que tem em cima do lábio! Sempre ficava meio pro lado e tinha uma narina mais fechada que a outra. Bom, eu achava que era paranóia de adolescente e nunca comentei com ninguém. Fora isso, ia convivendo com meu nariz sempre entupido, achando que era normal, da alergia...

Até que, depois de velha (tipo aos 26 anos), fui a um otorrino achando que estava ficando surda porque meu ouvido entupia do nada constantemente. Achei que devia ter umas ceras ancestrais lá dentro, sei lá, qualquer coisa! A primeira coisa que a medica fez foi um teste de audição. Ouvi tudinho, até pensamento. Laudo: audição 100%!

Aí ela fez um exame chamado videonasoendoscopia, em que enfia um canudo com uma câmera dentro do seu nariz. Deu desvio de septo e hipertrofia dos cornetos. É, saí de lá com uma indicação de cirurgia. E esclarecendo: o ouvido entupia justamente por conta da comunicação falha com o nariz...

Procurei mais dois otorrinos, repeti os exames e todos eles foram unânimes em indicar a operação.  Por outro lado, procurei meu alergista e ele foi contra, disse que eu não precisava mexer com isso e podia continuar respirando com 50% da capacidade, já que cheguei até aqui.

Cheia de dúvidas, sempre ia adiando, com medo. Até que resolvi conversar com um amigo médico, o Aristótenis, que é sempre muito pragmático e sensato. Ele me indicou o dr. Jaime Siqueira, otorrino amigo dele e cirurgião. Fui lá e pela primeira vez senti a segurança em considerar a operação. Sério, confiança no médico é o primeiro quesito fundamental!

Ele me esclareceu tudo, disse que realmente eu poderia continuar respirando com 50% da capacidade, mas que essa outra metade me faria muita falta lá pra frente, quando eu estivesse mais velha. Explicou direitinho que a cirurgia não mudaria o formato do meu nariz se eu não quisesse, que era tudo feito internamente, apenas no septo e nos cornetos.  O que acontece é que geralmente as pessoas aproveitam e fazem a rinoplastia também, que é a cirurgia estética. Não seria o meu caso.

Escolhido o médico, partimos para a novela dos planos de saúde da classe média brasileira.  Ah, delícia! Para a minha alegria, a Amil cobriu tudo. Então foi só conciliar a agenda do dr. Jaime com a data em que teria vaga no hospital do plano.

Nesse intervalo eu comecei a surtar, a ter medo de morrer com a anestesia geral e a ler todos os blogs sobre desvio de septo, em que as pessoas dizem que saem aliens do nariz e muitas outras coisas assustadoras, rsrs. Minha amiga Moema disse para eu parar de pesquisar na internet e falou a coisa mais sábia do mundo naquele momento: “Fulô, confia. As vezes é melhor se manter na ignorância”.

E foi com esse espírito que eu segui para a faca na manhã friazinha do dia 3 de junho. Chegamos lá e ficamos mais de uma hora esperando um quarto vagar. Depois fui para o leito, dormi um pouco e vieram me buscar. Esse foi um momento estranho. Eu, uma legítima mulher de Almodóvar (dramática), achei que fossem me colocar na maca e me levar pelos corredores do hospital. Que nada. A enfermeira me deu uma camisola, uma touca, umas meinhas e falou para eu segui-la até o Centro Cirúrgico. Gente, cadê o glamour??

Minha mãe só pôde entrar até aí. Momento ternura, muitos abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim. Até que eu entrei e a porta se fechou. Aí deu medo, muito medo. Me deitaram numa maca na tal sala de recuperação, onde eu fiquei mais de duas horas esperando minha vez. 

Nessas horas eu ligo minha audição 100% (lembram dela?) e começo exercitar a arte da observação. Então prestei atenção nas intrigas entre enfermeiras, nas caras feias que faziam para determinadas pessoas  - quem seriam os vilões e mocinhos daquele hospital? - , em como tratavam os doentes, nas fofocas, o gestual, tudo. Vi e ouvi muita coisa interessante, matéria-prima para histórias e histórias. Mas me chamou a atenção mesmo o tanto que o Centro Cirúrgico fica parecendo a Feira de Acari às vezes. E eu tentando meditar sobre o sentido da vida e morte...é, tava difícil.

Chegou minha vez e eu fui andando para a sala de cirurgia. Deitei na cama, me ajeitei, conversei com o Dr. Jaime, fiz amizade com o anestesista e comecei a falar mais que a nêga do leite. Acho que eu falo demais quando estou nervosa. Quer dizer, acho que falo demais sempre mesmo. Perguntei se ele conhecia o dr. Ricardo Carranza, falei que a filha do dr. Ricardo era minha amiga da infância e tinha virado médica também, contei de quando ele chegava cansado do trabalho e ainda ia estudar matemática com a gente, que ele era um modelo de pai e...ai! cacete de agulha! Me espetaram com uma agulha gigante na veia da mão, sério, aquilo doeu demais! 

Só deu tempo de ouvir o anestesista cantando: “roda, roda, roda e avisa...alô, Terezinha!”. Lembro de ter pensando: “ih, olha o meu encosto de Chacrete!” e depois “O Adriano vai adorar essa!”.

Aí proferi minhas últimas palavras: “acho que tá dando um barato. Num tô tintindo nada”. E apaguei.

Não lembro de mais nada. Mas diz o dr. Jaime que eu já acordei falando e segurando a mão de todo mundo no Centro Cirúrgico, agradecendo “pelo carinho”. Gente, sou filha de Relações Públicas, né? ;)

Depois subi para o quarto com um curativo no nariz, tipo um bigode de esparadrapo para estancar o sangue. E com dois canudos nas narinas, para ajudar na respiração. Essa é a parte deprê. A gente fica muito feio com esses canudos e eles incomodam bastante. Mas não é nada de outro planeta.

Tive alta no dia seguinte. Não senti dor, meu nariz não ficou muito inchado nem roxo nem nada do tipo. O pós-operatório é mesmo a parte mais chatinha. Não porque dói muito. Mas porque incomoda mesmo. Esse esparadrapo de que eu falei tampa um pouco a respiração e a gente acaba tendo que respirar quase o tempo todo pela boca, o que seca muito a garganta.

A rotina de cuidados é simples: tem que lavar bastante com soro dentro dos canudos até o dia de tirá-los (cerca de 3 dias depois da cirurgia). Também estou tomando um remédio para diminuir o sangramento e o Desalex, que eu já tomava para rinite. Isso porque dá para imaginar a tragédia que é uma sessão interminável de espirros nessas condições, né? Melhor evitar.

O mais chato, para mim, é achar uma posição para dormir. O ideal é ficar com a cabeça um pouco inclinada, para evitar sangramentos. Outra coisa incômoda é a sensibilidade nos dois dentes da frente. Parece que eles ficam dormentes! Eu achei que fosse paranóia, mas o medico me disse que é normal, porque o trauma do nariz na cirurgia passa perto dos nervos desses dentes. Enfim: tempo, tempo, tempo, tempo.

Ah, sim: nada de exercícios físicos por pelo menos três semanas. É difícil, mas tem que ficar de repouso mesmo, porque os pontos ainda não foram absorvidos pelo organismo.

Falando em tempo, na segunda-feira vou tirar os splints do nariz. São umas estruturas plásticas que o médico coloca depois da cirurgia para segurar o septo no lugar certo. A gente sente que existe um “corpo estranho”, mas não dói. Deve incomodar só para tirar mesmo, mas aí eu conto em outro post!

Quanto aos tão falados “aliens” que saem do nariz, eles ainda não vieram me visitar. Sinceramente, espero que nem venham! ;)

No mais, é isso: busquem mais de uma opinião, escolham um ótimo médico, tirem todas as dúvidas e...coragem! É um incômodo que vale a pena! Três dias depois da cirurgia, eu já consigo sentir um arzinho passando pela minha narina que era constantemente obstruída. Indescritível! Parece que a gente fica tonto de tanto ar! Muito, muito bom! 

terça-feira, 26 de março de 2013

mirada


Pensar una cosa
es iniciar una oración
fundar un reflejo de todo
en una gota de existencia.

Não se inicia uma oração sem cuidado. Olhar para dentro, ver cada palavra, botar imagens no colo até que tudo adormeça.

Presente para Nino Quincampoix #1


De onde virão as palavras que moram nos tijolos do velho cinema? Não se sabe ao certo como elas caem da tela, caminham pelo carpete até chegar ao suposto abrigo. Dizem por aí que elas costumam ficar na ponta dos pés a espiar casais. A mais baixa delas, que fugiu de um diálogo barato, se apóia no ombro da irmã sem graça, mocinha decadente de tempos idos. Enquanto Lembrança estica o pescoço para procurar a fama de outrora, dona Desmazelo aproveita a carona. Na verdade, nenhuma delas fez as pazes com o tempo. Uma não se conforma em não haver espelhos nas paredes dos tijolos. A outra, mesmo sem se ver, enxerga-se pequena e velha pela imagem de seu nome. O homem entre elas, Bravo, escala ranhuras com grande rapidez. Quem olhar bem verá que o tijolo do canto esquerdo, aquele perto da cortina, está quebrado em vários pedacinhos. Proeza de Bravo, que alimenta a esperança de um dia salvar todas as palavras presas ali dentro. O senhor Utópico, por sua vez, tenta convencer os colegas de que uma comunidade de palavras é possível, se todos os nomes de todas as coisas em todos os tijolos gritarem em uníssono ao fim da próxima sessão. Encanto está ali, quieta, vendo o filme ora pelos ombros de Lembrança, ora pelos espaços construídos por Bravo. Ninguém sabe ao certo seu rosto. Alguns lanterninhas disseram tê-la visto com sorriso acanhado de mulher. Outros, talvez perturbados pelo sono – ah, as sessões coruja -, refletiram olhos curiosos de um rapaz. Esse é seu mistério. Encanto ganha traços conforme a projeção valsa com nossas retinas.

*Texto escrito em 2007, pós-Balaio Café, em uma terça-feira fora dos planos, semana de calendários em suspenso.

sexta-feira, 8 de março de 2013

UM VIVA ÀS MULHERES: por um mundo em que possamos ser livres, de fato


8 de março, Dia da Mulher. Dia de receber parabéns, abraços, flores, mensagens de afirmação nos nossos trabalhos. Lindo.  Só que amanhã é outro dia, mais um dia em que milhares de mulheres vão continuar a sofrer com a violência doméstica, com diferenças salariais, assédios de todos os tipos, falta de liberdade. 

Amanhã todo mundo esquece a mise-en-scène e outra Fernanda Grasielly vai ser morta porque ousou terminar um relacionamento, ousou ser livre e senhora do seu próprio destino. Outra Josiene Azevedo de Carvalho Pimentel  - minha ex-professora de inglês, diga-se de passagem - vai morrer com um tiro na cabeça porque, “se não for minha, não vai ser de mais ninguém”. Outras Marias da Penha. Tantas Marias.

Violências de todo tipo me revoltam, mas a violência de gênero faz meu sangue ferver. Porque acho que toda mulher já se sentiu assim em algum momento da vida: agredida pelo simples fato de ser mulher. E isso não é certo. Isso não pode continuar.

Eu tenho 28 anos e já passei por algumas situações que me fizeram sentir um lixo. Pequenas situações cotidianas. Aos 11 anos, um cara correu atrás de mim na rua e tentou me agarrar, me chamando de gostosa.  Eu corri o máximo que pude e entrei na primeira loja que apareceu. Isso foi no coração do Plano Piloto, numa tarde qualquer. Eu nunca me esqueci desse dia. Porque eu era uma criança, não tinha essa dimensão de sexualidade, do que é ser uma “gostosa”. Essa deve ter sido uma das primeiras rupturas minhas com o mundo. Aquelas diferenciações que nos tiram do conforto do que é conhecido e nos jogam de cara com a dureza do que é o mundo adulto.

Na adolescência, perdi a conta de quantas vezes tive que lidar com homens encostando em mim no ônibus, meio que tirando casquinha na maior cara dura. Vocês, homens leitores do Poema Lunar, têm ideia de como é você ficar se perguntando se tem algo errado com você, se é você que está “atraindo” esse tipo de comportamento, permitindo que invadam seu espaço? Esse tipo de dúvida pairando na cabeça é cruel. 

E, acreditem, todas nós mulheres passamos por isso em algum momento da nossa vida. Só que falar é ruim, a gente se expõe, dá receio. Eu escrevo isso aqui como um desabafo e fico o tempo todo me censurando, pensando se devia publicar isso. Acho que devo. Preciso. Nós precisamos dizer que não dá mais!

A situação mais recente que enfrentei foi no meio da faculdade, lá pelos idos de 2004, quando o técnico do laboratório de fotografia me beijou à força e passou a mão na minha bunda. Estávamos os dois sozinhos no laboratório e eu sou imensamente grata ao meu anjo da guarda por não ter acontecido nada de mais grave, porque eu estava absolutamente vulnerável ali.

Lembro que fiquei em estado de choque, paralisada, e levei uma meia hora para conseguir esboçar alguma reação. Tudo o que consegui fazer num primeiro momento foi chorar. Fui para a casa da minha amiga Michelle Mattos, de quem eu sempre me lembro quando penso o que é uma amiga de verdade.

No dia seguinte, fui à Delegacia da Mulher registrar um boletim de ocorrência. Essa foi a segunda parte da violência. Lá, você tem que dizer o que aconteceu com você na frente de todo mundo que está aguardando para ser atendido. Daí eu falei. E, olhem, verbalizar é bem difícil. Falei o que tinha acontecido e a atendente, uma mulher, me disse com cara de indiferente: “Ahm, mas foi só isso? Ele só te beijou e passou a mão na sua bunda? Você acha que precisa mesmo fazer o B.O.?”.

Como assim “só isso”, cara pálida? Quer dizer que, para sua denúncia ser legítima, você precisa chegar lá espancada, estuprada, escalpelada? Que tipo de Delegacia da Mulher é essa? Esses casos mais graves só acontecem porque somos coniventes com as pequenas violências.

Fiz questão de registrar o B.O. e o sujeito foi condenado a pagar umas cestas básicas. Anos depois, ele seria o homenageado na minha formatura. Fui contra e mandei um e-mail para a comissão. Claro que esse e-mail vazou. Já que o caso tinha vindo a público, aproveitei e fiz uma breve apuração. Acabei descobrindo que a história tinha se repetido com várias outras meninas na faculdade. Uma delas, a mais recente, foi fazer um B.O. também para que ele não fosse mais primário. Fiz questão de ir junto com ela.

Ele foi afastado da faculdade, mas continua trabalhando na área. Hoje é cinegrafista de uma emissora de TV e vira e mexe eu tenho a infelicidade de encontrá-lo em alguma pauta por aí. Nessa hora, tenho vontade de partir pra cima. De gritar pra todo mundo que aquele cara é um filha da puta. Minha pressão cai, eu fico toda esquisita. Mas vamos que vamos. Aí é respirar fundo, pensar que eu fiz a minha parte e tocar o barco.

Outro dia, um colega tocou nesse assunto, sem saber que uma das meninas agarradas tinha sido eu. Fiquei quieta só para ver que rumo a conversa iria tomar. Ele, que é uma pessoa super querida, disse que tinha ouvido falar de uma menina que foi agarrada durante uma viagem, mas que “parece que a menina tinha provocado”.

Depois que eu falei que uma das meninas tinha sido eu, ele ficou mega sem graça e tentou emendar, dizendo que “não era meu caso”, mas as meninas da faculdade iam quase peladas, ficavam dando em cima dos professores.  A emenda saiu pior.

Eu disse a ele que achava que a gente não tinha estudado na mesma faculdade, porque eu não me lembro de meninas indo “quase peladas” para a aula. E, mesmo que elas fossem, isso jamais daria o direito de alguém invadir o espaço delas. Acredito que pensamentos como esse, aparentemente inocentes, dificultam muito o avanço contra a violência de gênero. 

Bom, eu pontuei o que eu penso de forma bem enfática e acho que consegui fazê-lo parar e pensar no quanto ele estava reproduzindo um discurso machista e perigoso. Espero ter conseguido, ao menos!

Nesse dia, voltei pra casa pensando que eu preciso fazer alguma coisa para direcionar essa raiva toda para onde ela merece. Há muita luta ainda para que a violência de gênero possa acabar. E eu vou estar sempre nessa batalha, todos os dias da minha vida. Que eu possa usar minhas ferramentas de jornalista, documentarista, enfim, para denunciar sempre esse tipo de coisa. 

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Metafísica dos tempos verbais: o pretérito mais-que-perfeito

O pretérito mais-que-perfeito tem a força das memórias mais antigas, fundantes, o antes do antes. Más allá. 

Metafísica dos tempos verbais: o futuro do pretérito


O que é o futuro do pretérito senão pura filosofia?

O futuro do pretérito é um natimorto. Já nasce não sendo. Um vir a ser que não se potencializa. Seria. Não foi.

18 dias no Japão

Foram 18 dias de sonho e muitas caminhadas pelo Japão. Começamos por Tokyo, onde ficamos por 4 dias. A ideia era entrarmos em contato com c...