Sobre cotas para negros, vou tentar esboçar aqui o que eu
penso:
Quando o assunto começou a surgir na minha vida, lá atrás, eu estava no
ensino médio prestes a fazer o vestibular e minha primeira reação foi ser
contrária. Porque tudo o que a gente pensa é na concorrência. Meritocracia! Afinal, eu estudava feito um cão, sempre fui ultra CDF e tirava as melhores notas. Imagina alguém entrar sem o mesmo esforço e pegar a vaga que poderia ser minha?
Fiquei um tempo
em cima do muro em relação ao assunto até entrar na UnB, em 2002. Passei pelo PAS para o curso de
jornalismo. Se me lembro bem, não havia um negro sequer na minha turma.
Aliás, os abismos eram bem mais do que sociais – me lembro
que foi ali que senti, pela primeira vez, que era diferente por morar no Guará,
andar de ônibus e nunca ter feito intercâmbio para o exterior nem uma super
viagem bacana pra gringa.
Senti o baque, por exemplo, ao ter que negociar com minha mãe a compra de uma
régua de metal para a disciplina Planejamento Gráfico. Também ao ter que entrar no
revezamento para usar uma das raríssimas câmeras coletivas na aula de
fotografia.
Devo dizer que eu estava longe de me considerar classe baixa.
Com todo o sacrifício da minha mãe, estudei em escolas particulares (sempre com
bolsa), fiz curso de inglês, viajei nas férias. Eu, que já estava numa parcela
privilegiada, senti o baque da desigualdade ao entrar na UnB. Ali, sim, foi o meu
microcosmos do universo.
E como foi estranho perceber que, nas aulas na Ala
Norte, eu não via negros - a não ser os intercambistas da África! Mas, quando
pegava disciplinas mais para os rumos da Ala Sul (Letras, Artes, Pedagogia), eu os via. E
via também muita gente que, como eu, morava em cidades satélites e andava de
ônibus.
Mudei minha concepção sobre as
cotas aí, por querer ver uma composição mais próxima da realidade em todos os cursos.
As cotas começaram a ser implementadas enquanto eu estava na faculdade, acho
que em 2003 ou 2004. Me formei em 2006, então tive pouco tempo para sentir as
mudanças na prática.
Em 2007, passei num concurso público para Comunicação Social
num órgão do Executivo. Aqui na assessoria de imprensa, há apenas um jornalista
negro. Não me lembro de ter visto nenhum negro aqui no meu andar, em todos
esses anos de ministério. Ah, claro: tirando os garçons, o pessoal da limpeza e
de serviços gerais.
Este é o problema, na minha opinião, que faz meu alerta vermelho
acender: quando os negros aparecem apenas em posições subalternas, é sinal de
que algo está errado.
Fiquei chocada ao visitar Morro de São Paulo, na Bahia, pela
primeira vez. Fui pra lá em 2012, depois de passar alguns dias em Salvador. A
capital baiana tem, sabidamente, a maior população negra do país. Morro de São
Paulo também tem uma grande população negra. Mas ali, diferentemente de
Salvador, eu só vi negros na posição de servir os turistas. Algo do tipo: todos
os nativos que conheci eram negros e todos trabalhavam como carregadores de
mala, garçons etc.
Dentro do resort em que fiquei hospedada, só havia hóspedes
brancos. E negros trabalhando para nos servir. Chegou um ponto em que isso
começou a me doer demais, a incomodar mesmo. Porque eu queria vê-los
desfrutando aquele lugar, que é deles! Conversando com um rapaz, ele me falou
que todos os resorts são de estrangeiros. Eles compram as propriedades dos
nativos por uma bagatela, mas que é dinheiro suficiente pra mudar a realidade
imediata das famílias. As famílias vendem. E acabam trabalhando no mesmo local
que antes pertencia a eles, vendo os novos proprietários lucrarem absurdamente
enquanto trabalham por uma ninharia.
Isso não é nenhuma
novidade. Acontece o tempo todo no nordeste, é a roda do capitalismo girando, a
vida é dura e tal - podem dizer alguns. Mas, para mim, foi difícil ver isso e ficar numa boa. Assim como é
difícil ver que quase não tive colegas negros na escola, na faculdade e
continuo não tendo no trabalho.
Onde estão essas pessoas?
Eu quero que elas estejam ao meu lado, e não me servindo.
Por isso sou a favor das cotas.
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