sexta-feira, 8 de março de 2013

UM VIVA ÀS MULHERES: por um mundo em que possamos ser livres, de fato


8 de março, Dia da Mulher. Dia de receber parabéns, abraços, flores, mensagens de afirmação nos nossos trabalhos. Lindo.  Só que amanhã é outro dia, mais um dia em que milhares de mulheres vão continuar a sofrer com a violência doméstica, com diferenças salariais, assédios de todos os tipos, falta de liberdade. 

Amanhã todo mundo esquece a mise-en-scène e outra Fernanda Grasielly vai ser morta porque ousou terminar um relacionamento, ousou ser livre e senhora do seu próprio destino. Outra Josiene Azevedo de Carvalho Pimentel  - minha ex-professora de inglês, diga-se de passagem - vai morrer com um tiro na cabeça porque, “se não for minha, não vai ser de mais ninguém”. Outras Marias da Penha. Tantas Marias.

Violências de todo tipo me revoltam, mas a violência de gênero faz meu sangue ferver. Porque acho que toda mulher já se sentiu assim em algum momento da vida: agredida pelo simples fato de ser mulher. E isso não é certo. Isso não pode continuar.

Eu tenho 28 anos e já passei por algumas situações que me fizeram sentir um lixo. Pequenas situações cotidianas. Aos 11 anos, um cara correu atrás de mim na rua e tentou me agarrar, me chamando de gostosa.  Eu corri o máximo que pude e entrei na primeira loja que apareceu. Isso foi no coração do Plano Piloto, numa tarde qualquer. Eu nunca me esqueci desse dia. Porque eu era uma criança, não tinha essa dimensão de sexualidade, do que é ser uma “gostosa”. Essa deve ter sido uma das primeiras rupturas minhas com o mundo. Aquelas diferenciações que nos tiram do conforto do que é conhecido e nos jogam de cara com a dureza do que é o mundo adulto.

Na adolescência, perdi a conta de quantas vezes tive que lidar com homens encostando em mim no ônibus, meio que tirando casquinha na maior cara dura. Vocês, homens leitores do Poema Lunar, têm ideia de como é você ficar se perguntando se tem algo errado com você, se é você que está “atraindo” esse tipo de comportamento, permitindo que invadam seu espaço? Esse tipo de dúvida pairando na cabeça é cruel. 

E, acreditem, todas nós mulheres passamos por isso em algum momento da nossa vida. Só que falar é ruim, a gente se expõe, dá receio. Eu escrevo isso aqui como um desabafo e fico o tempo todo me censurando, pensando se devia publicar isso. Acho que devo. Preciso. Nós precisamos dizer que não dá mais!

A situação mais recente que enfrentei foi no meio da faculdade, lá pelos idos de 2004, quando o técnico do laboratório de fotografia me beijou à força e passou a mão na minha bunda. Estávamos os dois sozinhos no laboratório e eu sou imensamente grata ao meu anjo da guarda por não ter acontecido nada de mais grave, porque eu estava absolutamente vulnerável ali.

Lembro que fiquei em estado de choque, paralisada, e levei uma meia hora para conseguir esboçar alguma reação. Tudo o que consegui fazer num primeiro momento foi chorar. Fui para a casa da minha amiga Michelle Mattos, de quem eu sempre me lembro quando penso o que é uma amiga de verdade.

No dia seguinte, fui à Delegacia da Mulher registrar um boletim de ocorrência. Essa foi a segunda parte da violência. Lá, você tem que dizer o que aconteceu com você na frente de todo mundo que está aguardando para ser atendido. Daí eu falei. E, olhem, verbalizar é bem difícil. Falei o que tinha acontecido e a atendente, uma mulher, me disse com cara de indiferente: “Ahm, mas foi só isso? Ele só te beijou e passou a mão na sua bunda? Você acha que precisa mesmo fazer o B.O.?”.

Como assim “só isso”, cara pálida? Quer dizer que, para sua denúncia ser legítima, você precisa chegar lá espancada, estuprada, escalpelada? Que tipo de Delegacia da Mulher é essa? Esses casos mais graves só acontecem porque somos coniventes com as pequenas violências.

Fiz questão de registrar o B.O. e o sujeito foi condenado a pagar umas cestas básicas. Anos depois, ele seria o homenageado na minha formatura. Fui contra e mandei um e-mail para a comissão. Claro que esse e-mail vazou. Já que o caso tinha vindo a público, aproveitei e fiz uma breve apuração. Acabei descobrindo que a história tinha se repetido com várias outras meninas na faculdade. Uma delas, a mais recente, foi fazer um B.O. também para que ele não fosse mais primário. Fiz questão de ir junto com ela.

Ele foi afastado da faculdade, mas continua trabalhando na área. Hoje é cinegrafista de uma emissora de TV e vira e mexe eu tenho a infelicidade de encontrá-lo em alguma pauta por aí. Nessa hora, tenho vontade de partir pra cima. De gritar pra todo mundo que aquele cara é um filha da puta. Minha pressão cai, eu fico toda esquisita. Mas vamos que vamos. Aí é respirar fundo, pensar que eu fiz a minha parte e tocar o barco.

Outro dia, um colega tocou nesse assunto, sem saber que uma das meninas agarradas tinha sido eu. Fiquei quieta só para ver que rumo a conversa iria tomar. Ele, que é uma pessoa super querida, disse que tinha ouvido falar de uma menina que foi agarrada durante uma viagem, mas que “parece que a menina tinha provocado”.

Depois que eu falei que uma das meninas tinha sido eu, ele ficou mega sem graça e tentou emendar, dizendo que “não era meu caso”, mas as meninas da faculdade iam quase peladas, ficavam dando em cima dos professores.  A emenda saiu pior.

Eu disse a ele que achava que a gente não tinha estudado na mesma faculdade, porque eu não me lembro de meninas indo “quase peladas” para a aula. E, mesmo que elas fossem, isso jamais daria o direito de alguém invadir o espaço delas. Acredito que pensamentos como esse, aparentemente inocentes, dificultam muito o avanço contra a violência de gênero. 

Bom, eu pontuei o que eu penso de forma bem enfática e acho que consegui fazê-lo parar e pensar no quanto ele estava reproduzindo um discurso machista e perigoso. Espero ter conseguido, ao menos!

Nesse dia, voltei pra casa pensando que eu preciso fazer alguma coisa para direcionar essa raiva toda para onde ela merece. Há muita luta ainda para que a violência de gênero possa acabar. E eu vou estar sempre nessa batalha, todos os dias da minha vida. Que eu possa usar minhas ferramentas de jornalista, documentarista, enfim, para denunciar sempre esse tipo de coisa. 

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