Vez por outra, tenho vontade de sumir por esse Goiás Velho de meus Deus, só para ouvir histórias. Queria mesmo era passar pela estrada de terra até chegar em Canápolis, chupar cana sentada na porta da casa que nem existe mais, olhando o tempo passar. Sertão é dentro da gente, já disse Guimarães Rosa. No domingo passado, fui ver um show de viola caipira e chorei. Era como se aquele som nunca me estivesse ausente. Acho que nasci ouvindo o pontilhar de cantadores, aqueles que percorriam as ruas lançando desafios. A mesma viola que meu avô, seu Emiliano Neves, ouvia na vitrola velha. Chorei porque senti que ele está comigo. Como Macabéa ao ouvir una furtiva lacrima na Rádio Relógio. Como se ali eu tivesse descoberto o princípio do (meu) mundo. De repente, o mundo me fez sentido. Era isso: aquele som nunca havia me deixado.
Refiz o filme da minha infância ali, na platéia do Teatro da Caixa. Quando pequena, eu não entendia por que a minha avó comia com as mãos. Ora, se já existia colher! Também não entendia por que meu avô passava as tardes sentado na velha cadeira em frente à porta. A cadeira dele, olhos firmes, como que a não perder de vistas ninguém que entrasse na casa. Não via graça naquele amontoado de primos e tios de cócoras no degrau, em torno da cadeira de meu avô, simplesmente a espiar o tempo e contar causos. Eu achava feio o teto de madeira e tijolos expostos, empoeirados. Não via sentido em chegar e ter de beijar a mão de todos os mais velhos, a bença, minha avó! Deus que nos dê boa sorte.
Foi preciso que seu Emiliano e dona Rachel fossem embora para eu perceber o presente que são todas essas coisas. Os sons. Terra e bois. É que, na casa deles, palavra falada era economia. Nunca tive a oportunidade de conversar sobre isso, esse sentimento de amor atávico que hoje choro quando escuto seis violeiros construírem retratos de minha família.
Hoje agradeço por ter tomado banho de rio em Porto Novo, vindo a ser água, eu e o Velho Chico. Por ter comido umbu e tido piriri no ônibus a caminho de Santana dos Brejos. Por ter visto a roda gigante dos ciganos em Posse, cidade entre Bahia e Goiás no meu mapa de lembranças. Agradeço pelas imagens daquele bando que trouxe o parque mágico, pelo medo de ser levada embora e pelas invencionices. Por ter comprado bala fiado na venda, cruzadinha em papel amarelado, banana embrulhada em jornal. Pela igreja branca no meio da praça. Foi lá que aprendi a rezar o Pai Nosso e errei o Creio em Deus Pai, quando todos os primos já sabiam. Obrigada por eu ter me feito de oratórios, passarinhos e pequenezas. Por ser a filha de Maria de Sinhá, amém.
* Texto escrito depois de um show do encontro Viola Instrumental Brasileira, realizado em 18 e 19 de março, no Teatro da Caixa. Participaram Toninho da Viola, Manoel de Oliveira, Paulo Freire, Roberto Corrêa, Cacai Nunes e Andrea Carneiro.
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3 comentários:
O seu texto é lindo. Chorei também, ouvindo esse violão através das palavras que você escreve.
Abraço desde Portugal.
Aprendi muito
Ai Dani. É muita irmandade. Suas histórias são minhas e você me proporciona lindos encontros comigo mesma. Obrigada por ter me encontrado rio abaixo. Amém
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