segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

E a velha pastora sai de cena...




Qual pedaço da minha alma se chama Mel? Com qual Danyella a Mel me fazia entrar em contato? Que Danyella se despediu de mim junto com a velha pastora, a velha poodle que dividiu 10 anos comigo? Como recuperar o pedaço de mim que se foi? São tantas perguntas, porque tudo agora é busca, tudo é desejo de ser água e dissolver o que sinto na infinitude do mundo. É que, perto de muita água, tudo é mesmo feliz. E eu, agora, sou essa ausência irreparável.

Aprendi, por todos esses anos, a respeitar tua presença, silenciosa, de alcance silencioso pela casa inteira. Mel chegou quando eu tinha 13 anos. Veio como um presente dos céus, um sinal cósmico de que nós precisávamos nos encontrar no mundo. Um belo dia, minha mãe recebeu uma carta endereçada à casa errada. Quando foi devolver o envelope, se deparou com uma pequena poodle abricot, toda serelepe, que veio fazer festinha no portão. Foi amor à primeira vista.

Durante dias, minha mãe só falava da cachorrinha, de como havia se encantado por ela e de como pareceu recíproco. Cerca de uma semana depois, a Ester, então dona da Mel, tocou nossa campainha. De Mel e cuia. Disse que precisaria se desfazer dos cachorros e que seu marido queria dar a Mel, única filhote que restara da Julie, para um amigo do casal. Só que o coração dela mandava dar a cachorrinha para a minha mãe, não sabia bem o porquê.

Aceitamos de pronto e, a partir desse dia, nossa felicidade encheu a casa inteira. Eu estava no computador, conversando ("teclando") com a Gabi num ICQ da vida. Minha mãe abriu a porta do meu quarto e a Mel entrou, logo vasculhando tudo em volta e se aninhando nos meus pés. Ela ainda não se chamava Mel. Ganhou esse nome por conta da minha fase Spice Girls e pelo topete à la Melanie B, a Scary.

Desde então, Melanie passou a dividir a rotina com a gente. Nessa época, nossa outra cachorra, a Monalisa, teve várias crises epiléticas numa semana. Cogitou-se dar a Mel, devia estar deixando a outra agitada. E, de fato, deixava. Tomava a comida dela e brigava se ela passasse perto de um biscoito enterrado.

Mas o amor foi mais forte. E até a Mona passou a respeitar aquela figura espevitada, "trator", que tentava morder até pitt bull. A figura que dava um tapa na vasilha de comida quando não ia com a cara da ração. Ou que guardava um pão de queijo por dias, só pelo prazer de vigiá-lo e implicar com quem quer que passasse perto.

Mel chegou como um bebê, alguém mais frágil que eu, e envelheceu nesse meu curto espaço de 10 anos, em que deixei de ser uma menina fã de Spice Girls para virar uma mulher com um emprego, dita cidadã respeitável que ganha dois mil cruzeiros por mês. Foi tanto chão nesse intervalo e tudo mostra-se frágil agora.

Enquanto eu era transformada pela rotina e obrigações e descobertas, a Mel deixou de ser um filhote e virou minha irmã mais velha, a irmã que eu não tive. Aquela figura forte, que fica sentada na velha cadeira perto da porta, que dá o recado só pelo olhar. Aquela figura a quem pedimos a benção em silêncio antes de sair. A Mel virou minha avó. Enquanto eu virei esse rosto em 10 anos, virei esse intervalo, a Mel foi meu bebê, minha irmã e minha avó. Foi toda a natureza, todo o infinito, todo o tempo.

Eu queria estar dizendo tudo isso pra ela, tão frágil em seus últimos momentos de vida. Mas tenho certeza de que ela sabe de tudo. Sei que ela se lembrou, a cada segundo, do amor que construímos: ela parte da nossa família e da nossa alma una.

A você, Melzinha, que só trouxe beleza e força à minha vida; que me mostrou o valor da lealdade e do afeto irrestrito, obrigada! Você, agora, é nossa oração.

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