domingo, 25 de janeiro de 2015

A vida em Manila #4 - Diários de uma grávida

Estar grávida é uma experiência única. A frase é o maior clichê do universo, mas é totalmente verdadeira. O corpo muda, o humor muda, as necessidades mudam. Às vezes, tudo o que precisamos são coisas que dêem conforto emocional. Portanto, posso dizer que estar grávida longe de casa, do outro lado do mundo, torna o processo ainda mais sui generis.

Passei metade da gestação no Brasil e metade aqui nas Filipinas. Agora, quase na reta final (já se vão 33 semanas!), posso compartilhar com vocês as principais diferenças que tenho notado.

1) Aqui, as grávidas são intocáveis - mas nem tanto

Explico: desde que cheguei, qualquer atividade diferente precisou ser devidamente negociada. De uma simples massagem no pé até a prática de esportes. No Brasil, é muito comum encontrar massagens para gestantes, que costumam misturar manobras de drenagem linfática com técnicas de relaxamento. A drenagem (feita por especialistas em gestantes) é inclusive recomendada pelos obstetras, já que nós grávidas sofremos muito com retenção de líquido.

Já aqui nas Filipinas, drenagem linfática para grávidas parece uma heresia. Fora de cogitação. Nos vários estúdios de massagem espalhados por Makati, onde moro, só me aceitaram para fazer uma levíssima massagem nos pés.  Eles alegam que a massagem pode ativar pontos de reflexologia perigosos na gravidez. A real, na minha humilde opinião, é que ninguém quer arriscar que você tenha algum problema e depois diga que foi por causa da massagem.

Outro ritual em que fui barrada por estar grávida foi a depilação. Terror e pânico! Como assim, ficar sem depilar??? Eu venho do Brasil, terra que inclusive dá nome às técnicas utilizadas mundo afora, minha gente! Diante da minha perplexidade, eles justificaram que a cera pode fazer mal ao bebê. Okêi.

Todo esse cenário leva a crer que aqui o esquema é mais prudente e cuidadoso com as grávidas, certo? Não necessariamente. Aí entra um paradoxo que até hoje não entendo bem.

Na hora das situações desgastantes do dia-a-dia (pegar metrô lotado, enfrentar fila de taxi, fila de banheiro, fila de banco etc), as grávidas entram no vale-tudo junto com todos os outros mortais. Esqueça conceitos como fila preferencial e gentileza. A vida é dura para todos. Embora haja plaquinhas de fila preferencial nos lugares, as grávidas raramente estão representadas nela. Há menções apenas a idosos e portadores de necessidades especiais.

João pondera que é porque na Ásia tem muita gente e há um certo espírito de sobrevivência, do tipo "farinha pouca, meu pirão primeiro". Bom, eu até entendo, mas continuo achando estranho. Fila do banheiro enorme, você apertada-quase-morrendo-com-a-bexiga-do-tamanho-de-uma-ervilha, e ninguém dá a vez. Ninguém nem olha pra você, na real. Você fica lá em vigésimo lugar da fila e espera, espera, espera.

Sobre banheiros, ainda tem um detalhe cruel: aqui, as filas se formam atrás de cada cabine, em vez de uma fila "geral" para entrar nas cabines que forem desocupando, como costuma acontecer no Brasil. Então várias vezes eu fiquei lá, em pé, esperando minha vez e puf, uma pessoa passa na frente na maior cara de pau. Demorei a entender. É que eu não estava "em frente" à cabine que desocupou. Não parece muito justo, né?

Depois de enfrentar filas gigantescas, de ficar em pé porque ninguém cede lugar e de ainda ficar sem massagem, o que aprendi é: para manter a sanidade, é preciso deixar de mimimi e aceitar que a lógica é simplesmente outra. Não importa seu cansaço, desconforto, enjôo ou qualquer outra coisa. Você é só mais uma na multidão, onde cada um circula com suas dores e delícias.

2) Mostrar a barriga pode ser estranho e inconveniente

Na reta final da gravidez, a barriga começa a pesar bastante. Ainda mais neste calor brabo de Manila. Tudo incomoda. Certa vez, estávamos andando no Rizal Park (mal comparando, seria algo próximo do nosso Parque da Cidade) e eu levantei a blusa, que estava apertando. Todo mundo me olhou como se eu estivesse fazendo a coisa mais estranha e absurda do universo. Captei o estranhamento e desisti de fazer a Leila Diniz por mais tempo.

Um dia, no estúdio de massagem, também deixei a barriga de fora enquanto tentava me conectar com o cosmos. A massagista mandou um "ma'am, you're too sexy!". Demorei alguns segundos para entender se era uma cantada, mas acho que foi uma forma simpática de me mandar tampar a barriga. Assim o fiz e a moça não falou mais nada.

Por via das dúvidas, melhor mostrar a barriga apenas na praia ou na piscina do prédio.

3) Ma'am é diferente de mom

Ma'am é uma abreviação para madam, bastante usada em inglês. Se você for mulher, todos os vendedores vão te chamar de ma'am. O problema é que só fui descobrir isso de forma traumática.

Nas minhas primeiras semanas aqui, a barriga deu uma crescida brusca e todas as minhas roupas começaram a apertar. Precisei comprar vestidos de grávida e aquelas calças com elástico, tudo meio na emergência. Daí fomos ao Landmark, que é uma loja popular num shopping aqui perto de casa, onde você encontra de tudo.

Na seção de "maternidade", fui metralhada por umas cinco vendedoras de uma só vez, todas me chamando de ma'am e me dando peças para experimentar. Logo eu, uma inadaptada convicta, que odeio vendedores me abordando em lojas! Aquilo me deu muito desespero. Meu humor foi desaparecendo até que, num momento de fúria Scooby-Loo, eu virei pro João:

- Que droga!!! Será que dá para essas vendedoras pararem de forçar amizade e me chamar de "mamãezinha"??? Só porque eu estou comprando coisa de grávida? Não precisa disso! Odeio esse povo que chama grávida de "mãezinha"!

João apenas me olhou, caiu na risada, e me explicou que elas estavam me chamando de madame. Senhora. Coisa fina.  Até hoje, de vez em quando, ele pega no meu pé com essa minha primeira gafe, dizendo que a cidade inteira me chama de mamãe. Tipo da coisa que será sempre usada contra mim. Já aceitei para a vida.

Resumo da história: 

Tenho a sorte de morar num lugar ótimo, onde não preciso de carro e posso fazer quase tudo caminhando. Encontrei uma obstetra maravilhosa, com muita experiência com expatriados. O hospital onde será o parto é aqui pertinho. Está tudo ótimo comigo e com o Lipe e ele deve chegar na primeira semana de março.

Ainda assim, tem dias em que esses pequenos ruídos chateiam e tudo o que eu queria era fechar os olhos e me teletransportar para o Brasil. Mas aí penso que seria uma fuga. As diferenças culturais estão aí para nos engrandecer, das grandes às pequenas coisas.

O importante é ter paciência para passar por elas com graça e leveza!


Scooby-Loo, meu alter-ego, pronto pra briga! :P
















Nenhum comentário:

18 dias no Japão

Foram 18 dias de sonho e muitas caminhadas pelo Japão. Começamos por Tokyo, onde ficamos por 4 dias. A ideia era entrarmos em contato com c...