Estive de férias em Seul, na Coreia do Sul, e fiquei impressionada com a mobilidade urbana de que pudemos desfrutar na cidade. Além do transporte público impecável, me chamou a atenção o fato de as avenidas serem largas e de os pedestres circularem confortavelmente em calçadas super conservadas. Empurrar o carrinho de bebê por lá era quase flutuar se comparado à minha experiência diária em Manila, capital das Filipinas.
Sei que a realidade dos dois países é completamente diversa e a comparação soa um tanto descabida, mas foi inevitável pensar em como faz diferença uma cidade em que se possa circular a pé de forma confortável, sem se preocupar - literalmente - com os percalços do caminho.
Aqui em Manila, tenho a sensação de que a cidade foi pensada para os carros. Ou melhor, de que não foi pensada. O trânsito é absolutamente caótico. Amigos com carro chegam a passar 4 horas do dia presos em engarrafamentos no percurso casa/trabalho, o transporte público é precário e não parece haver um esforço governamental no sentido de mudar o cenário.
Com o intuito de fugir do estresse, optamos por não ter carro. Para que tal decisão fosse viável, contamos com a sorte de morarmos a dois minutos do trabalho do meu marido. Podemos fazer tudo a pé. E é sobre isso que os nossos 10 dias em Seul me fizeram pensar.
Lembro-me de uma das primeiras entrevistas que fiz, quando ainda era estudante de Jornalismo. Lá se vão uns 12 anos. Eu conversei com uma professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília sobre a mobilidade urbana na cidade. Chegamos ao assunto das calçadas pouco conservadas em uma das principais avenidas da capital. A professora, então, citou um trecho da canção “Carioca”, do Chico Buarque, para ilustrar seu ponto:
Cidade maravilhosa, és minha. O poente na espinha das tuas montanhas quase arromba as retinas de quem vê.
No que ela emendou: “como alguém pode ter as retinas arrombadas pela paisagem se é preciso andar preocupado em não tropeçar ou não ser atropelado?”
Faz todo o sentido. Uma cidade pensada para pedestres favorece a contemplação e o encantamento.
Em Manila, as calçadas são absolutamente estreitas e, por muitas vezes, ausentes. Nesses casos, é preciso caminhar pelo acostamento, dividindo espaço com carros, jeepneys (o transporte público tradicional das Filipinas), motos e triciclos. Na época das chuvas e tufões, que dura vários meses (basicamente de junho a novembro) é preciso, ainda, tomar cuidado para desviar das poças d’água no caminho. Conseguiram imaginar? Pois é, muitas vezes é inevitável se dar mal e cair nelas. Melhor do que ser atropelado, enfim. Keep walking, Charlie Brown!
Caminhar com o carrinho de bebê, então, não é algo exatamente agradável. E olha que eu moro em um bairro com bastante infraestrutura. Minha intenção não é detonar Manila, até porque a cidade oferece uma série de coisas interessantes – sendo a principal delas, para mim, a simpatia e cordialidade do povo filipino. Mas, no quesito conforto para pedestres, não há mesmo como tapar o sol com a peneira. O único bairro em que sinto que os pedestres foram levados em consideração é Bonifacio Global City, onde há a chamada "High Street", uma rua bastante extensa, cheia de lojas e amplas calçadas. Lá não é permitida a passagem de carros.
Bom, é bem bacana, mas se trata de um centro comercial. O conforto foi pensado para que as pessoas passem momentos agradáveis enquanto olham vitrines e compram. Claro, essa dinâmica não é privilégio de Manila. Várias cidades têm suas ruas exclusivas para pedestres, cercadas por lojinhas. Mas por que não expandir essa lógica para outros espaços não ligados ao comércio?
Se eu passo sufoco empurrando um carrinho de bebê, penso que a vida de um cadeirante deva ser bem difícil em Manila. Não por acaso, nunca vi nenhum circulando pelas ruas da cidade. Talvez tenha visto no shopping, mas nunca nos espaços públicos de convivência ao ar livre. Até existe um esforço, já que algumas calçadas apresentam rampas sinalizadas. No entanto, é tudo muito incerto e irregular. Em frente à minha casa, por exemplo, há uma calçada com rampa dando acesso à pista. A calçada seguinte, por sua vez, não tem. De que adianta?
Para um simples passeio com meu filho no parque, é preciso fazer mil malabarismos para subir e descer meios-fios o tempo todo, além de prestar atenção nos carros vindos de todos os lados e que buzinam por qualquer bobagem. Em Seul, por sua vez, eu tinha vontade de sair apenas para flanar, mesmo sem roteiro prévio, certa de que a experiência seria suave.
Outro dado sobre mobilidade e acessibilidade que me chamou a atenção na capital sul-coreana: além das rampas, há frisos para pessoas com deficiência visual ao longo de todas as principais calçadas e não somente no metrô e outros pontos localizados, como acontece no Brasil. É bonito ver esse cuidado.
Sei que há um abismo que separa Manila desta realidade, mas sonho com o dia em que a capital filipina fará a opção por não privilegiar o carro e possa crescer de forma sustentável. Porque, do jeito que as coisas vão, não sei como será Manila daqui a 15 anos. Penso que a mobilidade será impossível ou, ao menos, muito sofrida.
Para 2016, portanto, desejo que possamos caminhar mais e contemplar mais, sem medo – seja da violência urbana ou do caos do trânsito. Que nossas retinas sejam arrombadas pelas belezas cotidianas escondidas na correria nossa de cada dia. Amém!
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