terça-feira, 2 de junho de 2009

as tempestades, os homens e os deuses

Minha ficha ainda não caiu direito sobre esse vôo da Air France. Passei o dia meio esquisita, aperto no peito, um choro guardado pelas pessoas tantas que eu não conhecia. A verdade é que uma tragédia como essa mexe demais com a gente, nos coloca diante da nossa fragilidade e faz pensar que qualquer um de nós poderia estar ali. Presos numa gaiola a mais de 30 mil pés, sobrevoando o infinito do mar, ao encontro de uma tempestade dessas que nem os poetas, nem as visões de estamira, nem os deuses todos poderiam invocar. Eu não tinha medo de avião, até que me vi trabalhando na Globo na época do acidente com o boeing da Gol. A cobertura do acidente mexeu demais comigo. Ter de ir até o hotel entrevistar os parentes no auge da dor da perda, acompanhar as buscas pelo que restou das pessoas, tudo isso foi muito dolorido pra mim. Na época eu não consegui chorar, acho que ainda tentava separar o pessoal do profissional: me concentrei tanto em fazer um trabalho digno, respeitoso, que nem olhei para o que sentia.

Percebi o quanto de tristeza eu tinha guardado quando aconteceu o acidente com o avião da TAM, que explodiu em Congonhas. Me lembro de ter saído para uma aula de dança quando o Jornal Nacional mostrou as imagens do avião pegando fogo, com a ressalva de que o avião devia estar vazio no setor de cargas. Fui para a aula aliviada. Quando estava voltando de carro pra casa, ouvi no rádio que o avião estava cheio. A imagem daquele avião em chamas imediatamente me veio à cabeça e eu não consegui segurar meu choro. Parei o carro num posto de gasolina e chorei muito por aquelas vidas todas. Fiquei um longo tempo ali, em silêncio. Ao chegar em casa com os olhos marejados, ouvi: "minha filha, você tem que ter autocontrole, você é jornalista!".

Desliguei o modo "jornalista" e deixei ligado, assumidamente, o modo "humana". Hoje me permito chorar. Estou aqui, às 2h30 da madrugada, vendo vídeos do maestro Silvio Barbato, que estava no vôo da Air France. Acho que cheguei a entrevistá-lo no JB, não lembro ao certo. Sei que o sorriso dele, o talento dele e sobretudo a paixão pela música me são familiares, me soam antigos como os primeiros sons. Vi também outra artista de Brasília, Juliana, que estava no avião. Não a conhecia, mas o vídeo que vi sobre ela no correioweb mostra a mesma paixão pela música, a mesma fagulha. Um golpe de uma só vez na arte e na vida, esses grandes princípios da poesia.

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