*Para ler ao som de Minhas Lágrimas, do Caetano Veloso, e depois Here Comes The Sun, na voz da Nina Simone.
Primeiro dia sem você aqui. Tive muita dificuldade para dormir só de imaginar você 15 horas dentro de um avião sobrevoando o oceano na madrugada escura. Eu sou paranóica com aviões, eu sei. Falamos sobre isso na primeira vez em que saímos, lembra? Eu te contei que fiquei com trauma depois de cobrir a queda do avião da Gol quando fazia estágio na Globo. Lembro de ter desembestado a falar de grooving na pista, reverso pinado, tubos de pitot e outros detalhes que devem ter feito eu parecer uma doida aos seus olhos. Mas você resistiu. Lembro de você falar com doçura que voar, para você, era muito tranquilo. Então tentei ficar tranquila também, o que só aconteceu, de fato, depois que você mandou a primeira mensagem do aeroporto de Doha.
Acordei cedo sem a ajuda do despertador. Acho que o convívio com você tem me dado esse condicionamento - logo eu, que sempre odiei as manhãs e que acordava ao meio-dia se deixassem. Fiquei um longo tempo ainda na cama, sem energia para levantar. O sentimento era de uma falta de motivação tremenda. Tristeza mesmo. Olhei em volta, fiz uma festinha sem graça com o Orfeu e voltei a fechar os olhos.
Me senti como o Caetano Veloso na música: nada serve de chão onde caiam minhas lágrimas.
Uns desertos ilhados por um Pacífico turvo. Todas as imagens dessa música me cabiam. Todas cabiam em mim. Foi quase uma hora em que fiquei deitada, pensando, pensando, acarinhando a tristeza em vez de brigar com ela. Soledad, aqui están mis credenciales - como naquela outra música, do Drexler.
Foi assim, entre músicas e recuerdos, que vi um filete de sol ultrapassar a barreira da cortina. O quarto estava ainda bastante escuro, eu havia fechado todo o blackout, mas o sol já impunha sua força. Pensei imediatamente em como você, para mim, é associado ao Sol - com maiúscula mesmo. O cara que gosta de acordar cedo para correr, de caminhar no Eixão, de pegar praia, de ir para a rua... para a vida!
O Sol, João, representa toda essa sua energia yang, para mim. Alegre, divertido, luminoso. E então, guiada por esse insight, resolvi sair do mergulho lunar em que eu estava. Achei que você ficaria feliz vendo que eu e Lipe fomos para o Sol. Abri a cortina, deixei a luz entrar, tomei um café da manhã cheio de frutas e, pasme, fui malhar. É isso mesmo que você leu: ma-lhar. De manhã. Dá pra acreditar?
Percebi que o melhor antídoto para a melancolia é me aproximar das imagens que me são você.
Feito o Sol.
Ao lado dele, seguimos.