domingo, 31 de agosto de 2014

Diário da saudade - Dia 02

Dia 02 - 28/08/14

*Para ler ao som de Minhas Lágrimas, do Caetano Veloso, e depois Here Comes The Sun, na voz da Nina Simone.








Primeiro dia sem você aqui. Tive muita dificuldade para dormir só de imaginar você 15 horas dentro de um avião sobrevoando o oceano na madrugada escura. Eu sou paranóica com aviões, eu sei. Falamos sobre isso na primeira vez em que saímos, lembra? Eu te contei que fiquei com trauma depois de cobrir a queda do avião da Gol quando fazia estágio na Globo. Lembro de ter desembestado a falar de grooving na pista, reverso pinado, tubos de pitot e outros detalhes que devem ter feito eu parecer uma doida aos seus olhos. Mas você resistiu. Lembro de você falar com doçura que voar, para você, era muito tranquilo. Então tentei ficar tranquila também, o que só aconteceu, de fato, depois que você mandou a primeira mensagem do aeroporto de Doha.

Acordei cedo sem a ajuda do despertador. Acho que o convívio com você tem me dado esse condicionamento - logo eu, que sempre odiei as manhãs e que acordava ao meio-dia se deixassem. Fiquei um longo tempo ainda na cama, sem energia para levantar. O sentimento era de uma falta de motivação tremenda. Tristeza mesmo. Olhei em volta, fiz uma festinha sem graça com o Orfeu e voltei a fechar os olhos.

Me senti como o Caetano Veloso na música: nada serve de chão onde caiam minhas lágrimas.

Uns desertos ilhados por um Pacífico turvo. Todas as imagens dessa música me cabiam. Todas cabiam em mim. Foi quase uma hora em que fiquei deitada, pensando, pensando, acarinhando a tristeza em vez de brigar com ela. Soledad, aqui están mis credenciales - como naquela outra música, do Drexler.

Foi assim, entre músicas e recuerdos, que vi um filete de sol ultrapassar a barreira da cortina. O quarto estava ainda bastante escuro, eu havia fechado todo o blackout, mas o sol já impunha sua força. Pensei imediatamente em como você, para mim, é associado ao Sol - com maiúscula mesmo. O cara que gosta de acordar cedo para correr, de caminhar no Eixão, de pegar praia, de ir para a rua... para a vida!

O Sol, João, representa toda essa sua energia yang, para mim. Alegre, divertido, luminoso. E então, guiada por esse insight, resolvi sair do mergulho lunar em que eu estava. Achei que você ficaria feliz vendo que eu e Lipe fomos para o Sol. Abri a cortina, deixei a luz entrar, tomei um café da manhã cheio de frutas e, pasme, fui malhar. É isso mesmo que você leu: ma-lhar. De manhã. Dá pra acreditar?

Percebi que o melhor antídoto para a melancolia é me aproximar das imagens que me são você.

Feito o Sol.

Ao lado dele, seguimos.





sábado, 30 de agosto de 2014

Diário da saudade - Dia 01






Dia 01 - 27/08/14

*Para ler ao som de Mother, John Lennon.

Pela manhã, te ajudei com as malas e os últimos preparativos para a viagem. De tarde fui trabalhar e tentei mergulhar nas demandas de imprensa para não pensar que, dali a algumas horas, eu precisaria me despedir de você. Fomos juntos até o aeroporto. Você falava sobre sua ansiedade e também sobre a coragem necessária para ir até o outro lado do mundo. Eu ouvia tudo do banco do carona, fazia sinal com a cabeça de que sim, você é muito corajoso, e mais corajosos somos nós dois juntos de irmos dar à luz nosso filhote nas Filipinas.

Serão dois meses até irmos te encontrar. Eu pensava nisso o tempo todo, mas evitava verbalizar para não transparecer minha tristeza adiantada. Vamos falar das coisas boas, das novidades que você vai ver, do trabalho, das pessoas, das paisagens! Ah, não adiantou. Você me conhece muito bem. Eu tentei disfarçar o choro enquanto via você tomar o Manhattan mais mal servido da sua vida no bar do aeroporto. Eu e Lipe não podemos beber, você sabe. Então ficamos ali, olhando você, sua ansiedade, sua preocupação em baixar as últimas músicas e carregar o telefone. Eu não podia me mexer direito, porque encostava o pé na tomada e dava mal contato. Você ficava bravo. Eu entendia: não é comigo; ele também está sofrendo, e essa é a maneira dele de botar pra fora. Sempre foi assim, não foi? Eu choro, canceriana que sou. Você explode, tão escorpiano. Aprendi a ter leveza nessa dança.

Tentei disfarçar o choro e tiramos uma última foto juntos antes de você embarcar. Faltavam 15 minutos. Você me beijou com saudade, com tristeza, com amor, com coragem, com sede de pertencermos juntos ao desconhecido. Nos levantamos e seguimos até o seu portão de embarque. Um silêncio cheio de palavras, essas coisas que falamos para encobrir os momentos em que só um abraço bastaria. Caminhamos. É, havia chegado a hora.

Você me disse para eu ficar bem e cuidar do nosso filho. “Cuida do meu filho”: foi exatamente o que você me disse. Você me abraçou e disse que logo estaríamos juntos, que você ia na frente para preparar o terreno para nós e que seríamos, nós três, muito felizes lá. Você pediu que eu prometesse que seríamos felizes. Eu, que quase não gosto de prometer nada, prometi.

Sempre acho que as promessas são um peso, porque o mundo é cheio de mistérios e parece uma prepotência prometer porque nada está totalmente sob o nosso controle.

Mas, ali, percebi: a beleza da promessa não é ter a garantia, mas empenhar todo o nosso desejo para que algo aconteça. Prometer é dizer: no que depender de mim, eu farei tudo para que isso aconteça.

Então prometemos, juntos, que seremos muito felizes em Manila.

Que assim seja, João.

Você respirou fundo, me deu um último beijo, um até daqui a pouco, entregou o bilhete para o rapaz do embarque e seguiu sem olhar pra trás. Quando você dobrou a esquina e saiu do meu campo de visão, não aguentei e chorei tudo o que estava guardado. Eu, a soluçar no aeroporto numa quarta-feira à noite, entre tantas chegadas e partidas. Senti vergonha por estar com o rosto totalmente inchado a esta altura. Aí me lembrei do que a Cristina me diria: deixa vir.

Minha tristeza era tanta naquele momento que virou uma dor física, aquele tal aperto no peito que nos acompanha nessas horas. Em vez de tentar controlar, resolvi me conectar a essa dor e comecei a olhar em volta. Não, não havia só pessoas segurando o choro no aeroporto. Em vários cantos vi pessoas com os olhos cheios de lágrimas. Sentadas num café com os olhos distantes, em pé na fila do estacionamento, ganhando um abraço de algum familiar. Lá estavam elas, as pessoas que ficam, lidando com sua saudade. Um aeroporto é mesmo um lugar peculiar: lá cabe a euforia da chegada e o coração apertado da partida.

E somos, afinal, feitos desses dois extremos. Conhecemos os dois estados, humanos que somos. O bom de sentir a tristeza é saber que ela passa e que a alegria do reencontro há de ser a próxima parada.

Até daqui a pouco, meu amor.

Infinito e além,

Dany

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Meditação diante do mar



As palavras têm sentido quando nos habitam.

Pensamento que me veio com a brisa do mar da Bahia, na chegada de carro até Trancoso. Sentada em frente ao mar, escrevi assim:

Por que eu voltei a Trancoso querendo encontrar o mar da minha infância? A mesma cor, as mesmas ondas (a mesma onda que eu furava com a minha mãe e não tinha medo). Só que a cor é outra. O mar é mexido. As ondas fazem outro movimento. Menos doce, mais agitado. E eu me agito junto porque esta não é a Trancoso que eu procurava. Falta o sol; falta a cachorra Xuxa correndo atrás dos caranguejos que se escondiam na areia; falta a ponte que era a travessia da casa para o infinito.

A ponte passava sobre o mangue. O mangue era feio e sujo, mas era passagem necessária, diária.

Certa vez, a chave do vizinho caiu dentro do mangue. O Raizero, que trabalhava na pousada, teve que mergulhar para procurar. Um homem na lama não em procura de caranguejos, mas de uma chave que não era dele.

Que é isso, procurar uma chave na sujeira infinita e pastosa do mangue? Que me foi isso?

O mangue é sujo ou é o ecossistema mais puro e sujo somos nós? Que não damos conta da travessia (a ponte!) e temos que deixar cair sobre ela a chave da nossa alma? Eu ia escrever "alma" e duvidei da palavra. Casa e alma se me confundem.

Diante do mar, vou perdendo o medo do ridículo, de baixar a guarda e, por um segundo, fazer uma escolha errada que vai me expor ao pra sempre do ridículo.  Um gesto, uma fala, um riso sem medida de uma coisa sem graça mas que pra mim é engraçada e eu posso rir mesmo que ninguém ria.

Eu senti falta da Trancoso da minha infância e me sentei de frente ao mar para meditar. Meus pés doeram, não encontrei conforto para minhas memórias tão caras e, então, resolvi escrever.

Ao fim desta página, percebo que meditei mais do que se tivesse apenas meditado como acho que devo achar que é meditar.

Chove. As palavras começam a borrar. Penso em levantar e voltar para o seco, o protegido. Mas também penso que é disso que estou falando aqui e pra onde esta meditação me chamou:

Deixar borrar

Então fico.




18 dias no Japão

Foram 18 dias de sonho e muitas caminhadas pelo Japão. Começamos por Tokyo, onde ficamos por 4 dias. A ideia era entrarmos em contato com c...