quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Contradições de uma cidade nova I - O Galinho

Ano passado, saí para frevar no Galinho, como de costume. Pra minha surpresa, quando estava voltando pra casa, passei por uma confusão entre policiais e foliões na 203/204. Com tiro, fumaça, garrafas quebradas, helicópteros e tudo. Parecia cena de guerra. Tudo porque, depois de um certo horário, os moradores da quadra exigiram que os foliões que insistiam em ficar lá depois da saída do Galo fossem embora. Eles não quiseram ir, a polícia usou métodos que a gente conhece, o povo retrucou com métodos que a gente também conhece, e aí já viu.

Esse ano, os moradores encasquetaram que o Galinho não poderia passar por lá de jeito nenhum. Disseram que incita a baderna. Depois de muita negociação e do Galinho ameaçar não desfilar em protesto, chegou-se a um acordo: o Galinho vai se concentrar em outro canto, mas poderá passar pela quadra (em intervalo não superior a 1 hora, cronometrado) e terão que cumprir uma série de exigências da vizinhança. Li hoje no Correio a argumentação de um morador, que dá sinais dessas exigências:

"Não queremos ambulantes, casais e conversas debaixo dos blocos, nem que foliões possam estacionar nas quadras. E se eles não respeitarem o tempo de passagem, o bloco não poderá passar nunca mais por aqui".

Eu fico triste toda vez em que escuto autoritarismos como esse. Triste mesmo, de coração cortado com o que querem fazer de Brasília. A cidade é nova e luta para manter suas poucas tradições culturais construídas por aqueles que se identificam com a cidade, que se sentem brasilienses. Como eu, filha de uma baiana com um paulista. Minha mãe sempre me levou para o Beirute, para o Psiu, para o Arabesque. Sei o que é comer pastel com caldo de cana na rodoviária, o que significa uma prosaica pizza "sabor único" da Dom Bosco. Entendo, intuitivamente desde criança, o simbolismo da passagem do Galinho pela superquadra - para quem não mora aqui, há mini-subidas na tesourinha que fazem o folião se sentir nas ladeiras de Olinda...

Mas que valor têm todas essas coisas para uma pessoa que dá uma declaração como aquela ali de cima? Nenhum. Deve ser uma pessoa que se sinta muito à vontade morando num caixote numa cidade cartesiana, de siglas e números, com a ordem intacta. A essa pessoa, eu digo: a cidade não pode ser só isso!!! O que torna uma cidade única é a vida que pulsa de suas ruas, de seus foliões, de sua desordem. Brasília precisa se abrir para isso. Precisamos sim de pontos de encontro arborizados, de coretos em que múltiplos olhares possam brincar juntos, e não de uma Praça da Soberania com museu dos presidentes e estrutura de concreto, morta, no meio da Esplanada. Precisamos do Galinho de Brasília e das cores que resistem aqui no carnaval, já tão sem graça.

Para essa pessoa que deu essa infeliz declaração, eu dou me testemunho: moro em frente ao Libanus, um bar muito movimentado da cidade. Todos os dias, roubam as vagas do meu prédio e eu tenho que estacionar longe e andar, mesmo cansada do trabalho. À noite, muita gente passa conversando alto, gritando, falando besteira. Ah, Sr. Morador da 203, com certeza casais já ficaram embaixo do bloco e já treparam no estacionamento. Muita gente também já fez xixi por ali depois de beber. Isso acontece todos os dias. Muitas vezes eu maldigo os freqüentadores do Libanus, praguejo, xingo, peço para fazerem silêncio. Já passei muita raiva. Mas entendo que faz parte da dinâmica da cidade. Ou será que eu devo exigir um Termo de Ajustamento de Conduta? Devo procurar o Ministério Público, como vocês querem fazer, porque as pessoas conversam embaixo do meu bloco e podem estacionar na minha quadra? Aliás, o senhor me deu uma ideia: podiam fechar a minha quadra para os bebuns de fim de semana! Malditos bebuns!!

Seria tão sensato se todos os moradores de todas as quadras com bares resolvessem fazer isso, não? Acho que ficaria perfeito, aliás. Lei seca, bares fechando à meia-noite (isso se não começarem a te expulsar antes), pardais espalhados a cada 100m, praça de concreto na Esplanada e um Galinho silenciado. Eu prefiro uma cidade que respire. Aos que preferem o panóptico do Foucault, só me resta desejar um pouco de vida.

3 comentários:

Unknown disse...

Dany,

São pessoas como você que o Galinho de Brasília quer por perto para sempre ... você é daquelas pessoas que fazem a diferença. Favor entrar em contato com a gente. O Frevo precisa de você !

Abraço
Romildo(romildocarvalho@hotmail.com)

Moema disse...

Nossa Fulô... sua emoção ecoa em mim e com certeza em tantos que nasceram em Brasília ou plantaram suas raízes por aqui. Quando li no Correio sobre a possibilidade do Galinho não sair este ano... doeu. Como abafar o pouco de lúdico e espontâneo que acontece nas quadras? O Galinho é uma conquista, um tanto de calor, de formas diversas misturadas ao planejado de nossa cidade.
Tivemos uma mostra super amorosa do carnaval sábado passado. Quando o bloco Suvaco da Asa desfilou com seu estandarte e sombrinhas por uma quadra do Sudoeste, os moradores se agitaram e correram para a janela ver o bloco passar... o povo dançava, os moradores sorriam, acenavam e tiravam fotos lá de cima. Teve até um senhor que só colocou a cabeça de fora embrulhado na cortina... e os foliões percebendo sua timidez fizeram um coro: “Aparece! Aparece!” Fiquei feliz por estar ali e ter levado minha sobrinha de 6 anos que já é filha de uma filha de Brasília. Não será possível ensinar às nossas crianças que “gente junta” é (também) alegria?!

um cara aí disse...

Eu também sou do tempo que tínhamos um buraco da Marly, buteco em frente aO Palácio do Planalto, em plena praça dos três poderes. Adorava as festanças de rock e primeiras eletrônicas. Viva a ocupação humana de Bsb. Foi pra isso que ela foi criada. Saudades das suas escritas. Suas férias compridas assim, nunca mais. bjs

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