Era como se eu estivesse fora do meu corpo, fora da realidade como a conhecemos. Era isso: eu estava em estado bruto, antes da linguagem - uma super consciência do mundo. De repente entendi tudo, a essência das coisas, e ficou claro que tudo se resume à oposição entre viver e morrer. E eis que voltei ao momento do meu nascimento. Eu nasci. Eu nasço. Mas sabendo que morreria em instantes. Ou eu já estava morta? Morta e não vi? Morta e nasci.
Eu habitava o espaço entre uma coisa e outra, um lugar tão tênue que era entre a linguagem. E, num momento, desaprendi a falar. Inventei uma nova língua, feita de memórias. E ela me impregnava a pele. Cada sílaba era uma imagem.
Cortar o fio quase invisível que ainda me mantinha presa à vida, um fio que saia da minha nuca (e que era o tecer do tempo). De modo que permanecer viva era exercitar a entrega.
[ Isso tudo foi uma epifania seguida de uma crise de pânico.]
Entendi: é que, quando pareço tocar a totalidade do mundo, tento voltar ao controle.
E não há como voltar ao controle.
Por isso, morro.
O medo de morrer é o medo do prazer que há nesse lugar onde não sabemos, onde não há proteção.
A floresta de Pan. A travessia noturna, solitária. Faunos, sombras, assombros.
O pânico fala de tudo o que nos assusta, mas que é nosso. Vida e morte. Vida e morte. Vida e morte.
A angústia de não conseguir respirar é o medo desse ar, de deixar conter. Eu vou morrer, porque, se eu permanecer viva, não vou dar conta de todo esse conteúdo, dessa vida, desse turbilhão - que sou eu! Então travo, endureço, fecho o caminho do fluir dos ares.
A revelação é que a gente não morre. Só nos resta a vida - a travessia. Caminhos de floresta. Peço licença a esse deus Pan. Teremos que caminhar juntos. Da próxima vez, dançaremos. Com as musas, no equilíbrio entre o terror e a leveza.
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