O diretor Breno Silveira sabe como contar uma história e emocionar, mesmo seguindo um roteiro previsível e optando por uma direção sem grandes inovações. Foi assim em “2 Filhos de Francisco” (2005) e é assim também em seu longa mais recente, À Beira do Caminho.
O filme é um legítimo road movie e conta a história do caminhoneiro João (João Miguel), um homem endurecido pela vida, que segue solitário, sem poucos amigos. Dele, nada sabemos no início do filme. Seu passado vai sendo construído aos poucos, em lembranças inseridas ao longo da narrativa. E o motor para a reconstrução desse passado é o encontro dele com o menino Duda (Vinícius Nascimento), que se esconde no caminhão de João com o intuito de chegar até São Paulo em busca do pai, que ele nunca conheceu. É do farto material humano que vem do encontro dessas duas pessoas machucadas pela vida que o filme se vale. E dá certo.
No início, João tenta largar o pequeno Duda na cidade mais próxima. Ele, um homem bruto de barba por fazer, não é lá dado a muita conversa e não quer uma criança viajando com ele. Mas a história de Duda funciona, de certa forma, como um espelho de sua própria história. O menino perdeu a mãe e se viu sem nenhum parente por perto. O único resquício de família que lhe sobrou foi uma velha foto do pai, com um endereço de São Paulo no verso. Já o sisudo João largou para trás sua família, após desencontros amorosos e tragédias envolvendo a sensual Rosa (Dira Paes) e a doce Helena (Ludmila Rosa).
Conforme vão cruzando as estradas rumo a São Paulo, João e Duda inevitavelmente constroem laços de amizade que vão modificar o rumo de suas vidas. A história ganha ainda mais carga emocional com a trilha sonora, composta unicamente por músicas de Roberto Carlos. Nada poderia cair tão bem para embalar essa trama que se passa no coração do Brasil, no interior, e que fala de pessoas simples, de amor e amizade. Uma curiosidade: foram as músicas do Rei que inspiraram o argumento do filme, que é o que serve de base para o roteiro.
A direção de fotografia de À Beira do Caminho, assinada por Lula Carvalho (filho do genial Walter Carvalho), é primorosa, assim como a direção de arte de Claudio Amaral Peixoto. Somos realmente transportados para a atmosfera das cidades do interior. Tudo está: os postos de gasolina simples, os restaurantes de beira de estrada, os rios onde Duda e João tomam banho e lavam roupas, os parques de diversão improvisados .
Quem já viveu no interior do nordeste ou tem família nesse universo, certamente vai se identificar com muitos dos elementos. Fui assistir com a minha mãe e choramos, as duas, ao ver um pouco das nossas raízes. Eu me lembrei das viagens que fizemos à Bahia, de ônibus, quando eu era criança. Das vezes em que paramos para comprar umbu porque eu estava com dor de barriga. Me lembrei também das idas a Posse, de caminhonete, as crianças na caçamba da D20, o parquinho com roda gigante que os ciganos montaram na praça. Eu queria ir, mas tinha toda aquela coisa de que "cigano roubava menino". Ah, e tem as canções do Rei, é claro. Acho que elas sempre estiveram de música incidental na minha vida. Tanto que eu e minha mãe fomos juntas também ao show dos 50 anos dele aqui em Brasília. Bom, mas deixemos minhas memórias e voltemos ao filme.
Para mim, além dessa atmosfera (do) interior, os atores são mesmo o principal trunfo de À Beira do Caminho. João Miguel está excelente como o caminhoneiro João. O menino Vinícius Nascimento é a melhor surpresa: ele emociona somente com o olhar e consegue imprimir uma carga enorme de emoção na tela. À Beira do Caminho é um filme sobre redenção, sobre amizade e sobre a coragem de revisitar o passado para que possamos, enfim, andar para frente. Como um motorista firme na estrada. É para frente que se anda. O passado é nossa matéria-prima, mas às vezes é necessário deixá-lo. Sempre perto, mas atrás, como uma frase de para-choque de caminhão.