* Para ler ao som de Leila, da Legião Urbana.
Amor meu,
Essa é a primeira cartinha em que eu preciso reunir vários dias num só, por pura falta de tempo. Não é que eu falte em te escrever. Escrevo cartas pra você a todo segundo: enquanto dirijo, enquanto estou no supermercado, no trabalho, enquanto repasso o dia antes de dormir. Cartas que nem todas ganham materialidade. Muitas ideias se perdem no caminho, muitas das coisas que eu queria contar eu antecipo pelo Skype. O fato é que você não me sai do pensamento, mesmo nos dias mais corridos.
E esses têm sido dias difíceis. Hoje nos falamos mais cedo e eu pedi desculpas por não estar lá com o melhor dos ânimos ultimamente, pelo meu cansaço. Você, sempre incrível, disse que havia ganhado na loto se todos os meus dias ruins fossem assim. Nós rimos juntos e eu consegui desanuviar por alguns momentos do turbilhão em que ando metida. Você sempre consegue me acalmar, já reparou?
Mas amanhã começa tudo de novo. Correria, médico, exames, coisas do fórum, irritações e aquele freela que está me tirando o sono. Hoje me peguei pensando que, na verdade, eu devo gostar desse turbilhão. É, acho que é um vício. Pensa comigo: eu fiz um filme enquanto fazia mestrado e trabalhava, tudo ao mesmo tempo. Foram tempos muito difíceis, mas há algo nessa adrenalina que me atrai. Porque, quando vejo, lá estou eu numa situação kamikaze novamente. Como agora: grávida, prestes a me mudar para o outro lado do mundo, ainda trabalhando...vou e aceito um freela grande e difícil. Não parece haver mesmo um padrão aí? Eis a minha forma de estar no mundo. Um paradoxo: buscar uma situação e reclamar dela. Se pararmos para ver, muita gente cai nessa armadilha. Por isso é bom manter a lucidez quando começamos nos vitimizar para nós mesmos.
Como quando eu não consegui abrir o pote de palmito. Explico. Na minha cabeça, o pote de palmito era a minha recompensa do fim do dia por ter realizado com louvor todas as metas que estabeleci. Eu fiz compras na quinta-feira, depois do pilates, e o palmito era uma espécie de super trunfo da geladeira. Aí, na sexta-feira, depois de analisar mil projetos e de ter tido um dia do cão, resolvi que merecia um momento sublime e lá fui eu, flutuando até a geladeira, abrir meu vidrinho de palmito. Quase em estado de graça. Aí que eu não consegui abrir a tampa. De jeito nenhum. Tentei com a ajuda do pano de prato, tentei apoiar de tudo quanto foi jeito. Bateu um desespero, uma vontade de chorar e eu me vi num processo de vitimização absurdo, pensando em como a vida era uma droga porque eu estava sozinha em casa numa sexta à noite tentando abrir uma droga de vidro de palmito sem sucesso, enquanto você estava do outro lado do mundo sem poder me ajudar. Tudo seria tão mais lindo se você estivesse aqui!
Deve ter durado uns 15 minutos esse meu momento Charlie Brown. Aí eu me lembrei de uma música pouco conhecida da Legião e que eu adoro: Leila. Lembrei também, com carinho, que um grande amigo meu, o Raphael Veleda, sempre disse que achava essa música a minha cara. É, a Leila é definitivamente uma workaholic envolvida no turbilhão do dia-a-dia. Lá pelas tantas, o eu-lírico (seria o Renato?) diz pra ela:
Às vezes as coisas são difíceis, minha amiga. Mas você sabe enfrentar a beleza dessa vida.
Coloquei para tocar e consegui rir de mim mesma. Da minha correria, da minha saudade e do meu vidro de palmito fechado hermeticamente.
Todo o meu amor,
Dany
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