*Para ler ao som de Sugar Water, do Cibo Matto, e Todo o Sentimento, do Chico Buarque.
Em Brasília, 21h36min. O horário eleitoral acabou e a novela começa, já cheia de barrigas e outros sinais de cansaço narrativo. Me aborreço com isso e resolvo escrever. Em Manila, a manhã começa. Os trabalhadores estão em seus postos, os carros apressam-se nas ruas, os jeepneys colorem a cidade levando gente de um canto a outro das várias ilhas. Sete mil ilhas, você me disse certa vez.
Num pontinho de uma dessas ilhas, lá está você, caminhando exausto para a embaixada após mais uma noite mal dormida por conta do fuso horário. Você está de terno e carrega sua pasta de documentos. Alguns locais passam por você e dizem, amáveis: “good morning, siiiir!”, com aquela música ao fim das frases tão característico das filipinas. Você sorri e segue andando, enquanto pensa que tudo o que queria, na verdade, é que o fim de semana chegasse para você ter tempo de pifar em paz, quieto, no seu canto.
Eu deito na cama, ligo o computador e começo a te escrever. Abro uma outra janela com os projetos que preciso analisar. Ainda faltam muitos. Por isso fui dormir ontem às três da manhã. Tive poucas horas de sono. Hoje meu dia começou bem cedo, quando você estava indo dormir. Atravessei a cidade para ir a uma consulta com a obstetra. Descobri que estou com deficiência de cálcio, reflexo da falta de leite e derivados por conta da intolerância à lactose.
Saí do consultório com uma receita de suplemento para manipular. Mais uma longa volta de carro sob o sol dos dias mais quentes do ano até chegar à farmácia. De lá, corri para o Fórum. Almocei por lá mesmo para dar tempo de chegar na hora ao trabalho. Uma comida mais ou menos - bem mais pra menos - num dia mais ou menos. Um dia em que tudo o que eu queria era ter o direito de ficar quietinha em casa, de dormir. Meu corpo pedia uma pausa.
Como o seu, aí, do outro lado do mundo. Mundo que não para de girar.
Estou tão cansada que mal consigo articular os pensamentos. Mas uma coisa me é recorrente: imaginar o que você está fazendo no momento. É quase uma brincadeira. Agora, enquanto escrevo, será que você está tomando um café para se manter desperto? E quando você tomar seu café, o que será que estarei fazendo?
Gosto de imaginar nós dois num videoclipe com a tela dividida ao meio mostrando duas ações simultâneas. Aquele recurso utilizado à exaustão, mas que, quando bem utilizado, pode render ótimos resultados. Como nas mãos do Michel Gondry em Sugar Water. De um lado, você começando seu dia nas Filipinas. Do outro, eu me preparando para encerrar os trabalhos.
Nos encontramos no meio, num tempo suspenso das nossas narrativas cotidianas. No tempo da delicadeza, como bem cantou o Chico. Onde não haja cansaço e eu possa seguir, como encantada, ao lado teu.
Todo o sentimento,
Dany
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