segunda-feira, 16 de junho de 2014

em todo canto do mundo há alguém a chorar

Enquanto estou aqui em Brasília, tomando meu Nespresso sabor baunilha, há uma mulher trancada no quarto em Bangladesh lamentando uma escolha errada e incurável. Em Santorini, um jovem olha as casas cobertas de sol e pensa no movimento dos barcos. Assim em Canoa Quebrada e também no branco de Punta Ballena, esse branco que por vezes encobre o que parece felicidade mas é quase uma fuga.

Em Argel, uma moça mergulhou na banheira até sumir de si mesma. A carta, que ela pensou nunca chegar, aportou dois dias depois debaixo de sua porta. Em Bucareste, sei de uma senhora que, cansada dos dias, resolveu colocar sua melhor saia e sair em busca dos sons mais antigos que ouvisse.

No Iraque, uma jovem se apaixona por um soldado mas já não importa porque ele vai embora e a cidade está em ruínas e há tantas forças e tantos lados que já não vale mais a pena sonhar um sonho que morre. Na Asa Norte, uma mulher em construção toma um café na janela ao lado de dois gatos enquanto pensa que a vida não tem rascunho. Ela corta o seu braço pra raiva passar e os machucados abertos lhe mostram que não há fundura que dê conta da nossa imperfeição. No Tennessee, um adolescente magro chora no banheiro enquanto o barulho da água abafa sua inadaptação.

Somos todos inadaptados ao mundo onde não se pode errar. Em todo canto do mundo, há alguém a chorar.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Eles voltam

J.,

Estou aqui no trabalho pensando em como aquele filme pernambucano - Eles Voltam - ficou ecoando em mim. Em geral, me tocam as obras que falam das jornadas alma adentro, esses caminhos que se fazem ao caminhar. E me parece assim a jornada da Cris, que saiu do condomínio fechado na Recife de classe média alta, de um colégio cheio de grupinhos fechados, de uma família com pensamentos fechados, para cair na aventura da estrada.

A estrada é sempre uma bela metáfora, poderosa, não é? Gosto de todas as figuras arquetípicas que falam da estrada. Hermes. Exu. Os mensageiros. Porque nas asas que movimentam os pés reside a coragem de pertencer ao desconhecido.

Aí damos de cara com a Cris, enclausurada no Ipod, desconfiada, sem querer muito contato com o que lhe é diferente. Confesso que demorei a ter por ela alguma empatia. Acho que só aconteceu quando ela se sentou à beira da praia com a outra adolescente e trocou algumas ideias de forma mais desarmada. Mas, sobretudo, comecei a ter empatia por ela quando ela se deslocou. Vejo que este deslocamento aconteceu na cena em que ela vê o sexo despudorado do casal na piscina da casa. Ela não foge. Ela quer ver o que não quer ver. Lembra de como ela tinha um quase sorriso, um quase prazer? Um quase, não. Um prazer.

Houve uma cena em que ela mergulhou na piscina e a água ainda era um grande útero. Mais ao fim do filme, ela não mais mergulha. Ela boia. É que já nasceu. E agora está acima das águas, um outro organismo.

Não mais ela sendo o mundo. Mas sendo ela e o mundo, exterior.

Gostei de ver o nascimento desta menina, tão próxima de nós. Como nós tivemos que nascer, em algum momento. Em tantos momentos, e ainda nascemos, a cada dia. Um eterno e constante separarmo-nos.

Você se lembra de algum dia em que você nasceu?

Entre essas perguntas todas, me lembrei deste poema do grego Kaváfis. Um clichê até para falar das jornadas de autoconhecimento:

ÍTACA 
Konstantinos Kaváfis
(Trad. Haroldo de Campos)
Quando , de volta , viajares para Ítaca
roga que tua rota seja longa,
repleta de peripécias, repleta de conhecimentos.
Aos Lestrigões, aos Cíclopes,
ao colério Posêidon, não temas:
tais prodígios jamais encontrará em teu roteiro,
se mantiveres altivo o pensamento e seleta
a emoção que tocar teu alento e teu corpo.
Nem Lestrigões nem Cíclopes,
nem o áspero Posêidon encontrarás,
se não os tiveres imbuído em teu espírito,
se teu espírito não os sucitar diante de si.
Roga que sua rota seja longa,
que, mútiplas se sucedam as manhãs de verão.
Com que euforia, com que júbilo extremo
entrarás, pela primeira vez num porto ignoto!
Faze escala nos empórios fenícios
para arrematar mercadorias belas;
madrepérolas e corais, âmbares e ébanos
e voluptosas essências aromáticas, várias,
tantas essências, tantos arômatas, quantos puderes achar.
Detém-te nas cidades do Egito -nas muitas cidades-
para aprenderes coisas e mais coisas com os sapientes zelosos.
Todo tempo em teu íntimo Ítaca estará presente.
Tua sina te assina esse destino,
mas não busques apressar sua viagem.
É bom que ela tenha uma crônica longa duradoura,
que aportes velho, finalmente à ilha,
rico do muito que ganhares no decurso do caminho,
sem esperares de Ítaca riquezas.
Ítaca te deu essa beleza de viagem.
Sem ela não a terias empreendido.
Nada mais precisa dar-te.
Se te parece pobre, Ítaca não te iludiu.
Agora tão sábio, tão plenamente vivido,
bem compreenderás o sentido das Ítacas.



Assim é que vejo o filme: um grande caminho para Ítaca. Minimalista, sem grandes arroubos de estilo. Abusa dos planos longos, é bem verdade. No começo, isso me irritou. Mas agora penso que faz parte do olhar da protagonista, deste vagar que era estar ainda tateando outros lugares de estar.

A carta era pra compartilhar contigo as impressões.

A vida é pra compartilhar contigo os caminhos. As Ítacas.


Amor, 


D.

Florbela

Às vezes penso que gostaria de morrer para renascer outra. Mas a verdade é que a gente nunca renasce, por mais que existam as grandes e profundas transformações. Carregamos sempre a condição de sermos aquilo que somos. Morremos, mas continuamos sempre um pouco dos mesmos. Há algo de dor que nunca se vai. Este é o grande peso a carregar. Como Sísifo com sua pedra, a rolar, a rolar, eternamente. Prisão perpétua.

18 dias no Japão

Foram 18 dias de sonho e muitas caminhadas pelo Japão. Começamos por Tokyo, onde ficamos por 4 dias. A ideia era entrarmos em contato com c...