Foram 18 dias de sonho e muitas caminhadas pelo Japão. Começamos por Tokyo, onde ficamos por 4 dias. A ideia era entrarmos em contato com calma com a cultura japonesa antes de partir para as outras cidades.
Tolinhos, tsc tsc. Tokyo não combina com calma. A aproximação virou um mergulho e fomos fagocitados pela megalópole que não pára, cheia de gente, pressa e letreiros de neon. Tokyo é São Paulo elevada à décima potência. Cochila no ponto pra ver! Há tanta gente que até o fluxo dos pedestres é ordenado: quem vai anda pela esquerda. Quem vem, pela direita. Bom, quem vai e quem vem é relativo, mas vocês entenderam! ;)
Ficamos em Shinjuku, bem naquela atmosfera Lost in Translation. Aliás, muitas locações do filme eram por ali. É bacana ver que os japoneses usam muito a bicicleta como meio de transporte. Mas nada se compara ao metrô e ao trem, verdadeiras instituições do país. As crianças brincam com modernos trenzinhos, o que mostra o orgulho que eles têm do Shinkansen, o famoso trem bala.
Visitamos Harajuku, o bairro conhecido por concentrar os adeptos do cosplay; a Shibuya Station, onde fica a estátua do cachorro que ficou por anos na estação esperando seu dono e que até virou filme; o cruzamento mais populoso do mundo, que é o Shibuya Crossing. Vimos Tokyo do alto e um Monte Fuji encoberto a partir do prédio da Prefeitura. Comemos sashimi feito na hora de um peixe pescado pelo João. Fomos a um parque cheio de cerejeiras no auge de sua beleza. Nos perdemos em estações de metrô gigantescas, verdadeiras cidades debaixo da terra.
Tokyo foi nossa chegada e também de onde partimos depois de passarmos por Kyoto, Osaka, Nara, Kobe e Hiroshima. Voltamos um dia antes do nosso vôo só para levarmos o Lipe para conhecer a Disney e abraçar o Mickey. Sonho realizado. Depois de muitas aventuras e de voltarmos a ser crianças, voltamos a Manila. Aqui, na nossa casa, vamos nutrindo os sonhos da próxima jornada.
Método: 45
minutos de patins na área comum do prédio. Pista lisa. Ir e voltar da pilastra
à espreguiçadeira até conseguir me equilibrar. Sentir o peso do corpo e suas
formas de estar no espaço. Observar a relação entre movimento e velocidade.
Inevitavelmente, esbarrar com o medo. Mergulhar nas memórias de infância.
Aceitar o desamparo, seja do chão ou do coração. Prosseguir, apesar de. Repetir
o percurso até que os patins virem os próprios pés. Fazer a curva mesmo que a
queda esteja no horizonte. Sentir o vento no rosto. Observar os fluxos entre
automatizar o movimento e ter consciência de cada gesto. Saber que amanhã vai ser melhor.
Minha mente, após a morte do meu pai, tem sido como um computador com mil janelas abertas. Ao mesmo tempo, como um barco à deriva. Perdi a conta exatamente do calendário. Não sei se hoje é terça ou sexta, se 7 ou 15 de fevereiro. É como se eu apenas passasse pelos dias. Arnaldo Antunes não me sai da cabeça. Socorro, alguma rua que me dê sentido! Parece que não aconteceu, que não é real. A qualquer volta ao Brasil, ele vai me chamar de ciganinha, marejar os olhos e falar o quanto me acha corajosa por ir atrás das minhas paixões. Por que demoramos tanto? A vida tem lá seus mistérios. Por muito tempo, ele foi uma agenda da escola feita no Dia dos Pais, uma agenda que nunca entreguei, e que dizia: "este é um amor antigo". Por muito tempo, foi um amor sem vocativo. Eu não sabia como chamá-lo. Simplesmente não havia nome que desse conta daquela falta. Mas soubemos alterar a rota de navegação e começar uma nova história. Curativos onde era necessário, nos demos as mãos. Nunca é tarde para o amor. Nunca é tarde.
Fim das férias no Brasil e cá estamos de novo, eternos nesta Manila. É incrível como um mês longe das Filipinas foi o suficiente para eu me desacostumar com alguns aspectos negativos daqui, como o trânsito louco, a poluição, o desrespeito aos pedestres, a desigualdade social gritante e o american way of life adotado pelo país.
É precisamente sobre este último aspecto que fiquei com vontade de escrever. Sim, porque estar de volta significa retomar a rotina de supermercados, resolver coisas na rua etc. E aí, quando você menos espera, lá está você dentro de um mall. Tudo parece girar em torno dos shoppings, é impressionante! Claro, há de se considerar que estamos em dezembro, mês do Natal, então todo o consumismo está exacerbado. Mas, ainda assim, fiquei assustada com o tanto de gente comprando. Pensem numa 25 de março em fim de ano multiplicada por 10. Assim são as muvucas natalinas aqui nas Filipinas.
Me pergunto como há tanta gente com bala na agulha para comprar num país em que a realidade é de salários baixíssimos e muita pobreza. Aí várias coisas vêm à cabeça: 1) cada um compra o que pode e há muita oferta popular, pensando neste gosto por shopping, 2) Aqui faz muito calor e muita gente vai ao shopping para aproveitar o ar condicionado mesmo. No caso do Glorietta, que é um shopping que dá acesso ao trem, o povo prefere obviamente ir por dentro curtindo o fresquinho. Mesmo que de passagem, essas pessoas acabam gastando nem que seja alguma coisinha. Ou seja, a roda do consumo segue girando!
Estou longe de ser franciscana, mas confesso que essa ênfase me causa muita ansiedade. Vou tentar explicar melhor. É que sinto aqui um sentindo de urgência o tempo todo, muito maior do que sentia no Brasil. Aliás, acho que lá eu nem sentia, talvez porque tivesse outros pontos para ocupar minha atenção. Mas aqui eu sinto bastante!
Há sempre tantas placas de sale e mil promoções do tipo "última chance de aproveitar" que eu acabo tendo a sensação de estar perdendo uma grande oportunidade o tempo todo! Quando vejo, lá estou eu sem saber para que lado olhar, com o interesse pulando de vitrine em vitrine feito um macaco inquieto.
Eu paro, respiro e penso: isto não é real. Não são necessidades reais.
A mesma lógica eu observo no supermercado. Há uma infinidade de produtos que vêm com brindes (pratinhos, vasilhas, esponjas e outros cacarecos). Mesmo que você não precise do produto, bate o impulso de comprar. Porque, sei lá, vai que amanhã não tem mais...
Amanhã pode não ter mais.
Mas aí me concentro e penso no grande ensinamento que aprendi com Renato Russo, que certamente aprendeu com o budismo: na verdade não há!
Não há amanhã. Há só o agora, que é grandioso demais para hiperventilar por coisas de que não preciso mas acho que posso precisar.
Como tática de sobrevivência, ao longo de dois anos venho desenvolvendo minhas ferramenta para lidar com essa a lógica de cidade mega grande, poluída, cheia de carros, sem transporte público bom e com foco na fissura do consumo. Tento focar no capital humano das Filipinas. Para mim, esse é o bem mais valioso do país! Os filipinos são maravilhosos, amorosos, alegres, gentis e acolhedores. O que me assusta um pouco é pensar aonde este modelo pode levá-los em 20 anos, por exemplo.
Manila não comporta mais carros. Manila não comporta uma bolha de riqueza, com gente comprando sem parar e prédios sendo erguidos incessantemente, enquanto boa parte da população compartilha habitações minúsculas e sem saneamento com 10 ou mais pessoas.
Somente em volta do meu prédio, contei 8 edifícios em construção. Os trabalhadores dessas obras ganham um salário baixíssimo e infelizmente alguns acabam sendo atraídos pelo shabu, uma espécie de metanfetamina que permite que eles trabalhem mais e não sintam fome. É um pouco triste ver isso que, para mim, é um falso desenvolvimento. Um crescimento vertical, com mais concreto e menos verde, em meio a um serpentear de carros e jeepneys poluentes. Aonde isso pode nos levar?
Seria lindo ver aqui um desenvolvimento de dentro para fora, a partir da própria imagem vista no espelho, e não de uma cena de filme hollywoodiano.
Bom, isso são sonhos...mas é disso que somos feitos, afinal, não é? É pelo sonho, e somente pelo sonho, que consigo seguir.
Tenho pensado muito sobre o sentido de ainda ter este blog. Com a maternidade, quase não me sobra tempo para escrever. Olho as mães blogueiras incríveis e penso: como é possível? A que horas escrevem? Como se organizam? Como conseguem administrar um computador e uma criança que te puxa querendo digitar também? São questões para as quais eu gostaria de ter respostas.
De quando em vez, tenho vontade de escrever sobre a vida nas Filipinas. Mas este não é um blog sobre viagens. Também tenho vontade de escrever sobre a dor e a delícia da maternidade. Mas a internet está cheia de sites incríveis sobre isto. Fico com a impressão de que tudo sairia do tom do que este blog foi um dia.
Fico com a impressão de que a minha vida mudou de tom.
E eu não sei agora em que caixinha ela cabe. Ando transbordando sem caber. Em nada.
O que penso é que quero trabalhar para transformar o Poema Lunar num livro. Houve um dia uma coerência por aqui em meio ao meu caos. Caórdica. Toda ordem traz uma semente de desordem, diz o meu livro de cabeceira, minha Lavoura. Quem sabe vire livro. Quem sabe?
Por enquanto, toco o barco sem bússola nestes novos mares.
Nas Filipinas, a fé pode até não mover montanhas, mas é capaz de levar milhares de pessoas às ruas na Semana Santa para vivenciar coletivamente a paixão de Cristo. É uma catarse, sem dúvidas. O país, que tem a terceira maior população católica no mundo, é conhecido pelos episódios de crucificação e auto-flagelação de parte dos fiéis.
Para compreender a importância que a data tem no calendário local, é preciso olhar para o passado. O primeiro país a colonizar as Filipinas foi a Espanha. Com isso, vieram a fé católica e os processos de catequização das populações indígenas, da mesma forma como aconteceu no Brasil. A herança colonial pode ser percebida nos números: as Filipinas são o único país asiático com população predominantemente cristã, com exceção do Timor Leste. São 92,5% de cristãos, dos quais 81% são católicos. É muita gente.
Agora imaginem toda essa massa de fiéis indo às ruas. A Semana Santa, aqui em Manila, é caracterizada principalmente pela Visita Iglesia, que é uma espécie de peregrinação por ao menos 7 igrejas próximas na sequência. A rigor, essa visita deveria ser feita na Quinta-Feira Santa, mas aqui o calendário se expande e muitos fiéis começam a fazer o percurso antes, no Domingo de Ramos. Muitos também escolhem visitar não 7, mas 14 igrejas. Dia desses, vi inclusive o anúncio de uma visita formatada para ser feita de bicicleta. Há diversos roteiros, incluindo igrejas em todos os pontos da cidade. A tradição é tão importante que existe ate um site, Visita Iglesia Online, feito para os filipinos que moram fora do país acompanharem as homilias e se sentirem parte das celebrações.
Autoflagelação é uma das práticas comuns na chamada "penitensya"
Além da Visita Iglesia, outro aspecto que caracteriza a Semana Santa nas Filipinas é a chamada penitensya (penitência em tagalo, o idioma local). É comum ver a multidão abrir caminho para grupos que passam se autoflagelando. Num primeiro contato, achei chocante ver pessoas completamente ensanguentadas seguindo sob o sol quente do auge do verão filipino. Quando compreendi a dimensão da fé no país, no entanto, vi o fanatismo com menos preconceito.
O ápice da fé - ou do fanatismo, de acordo com a interpretação - talvez seja a crucificação. Nas encenações da Paixão de Cristo, há fiéis que se pregam à cruz de verdade, no intuito de vivenciar na pele o sofrimento de Jesus. Algumas províncias no país tornaram-se conhecidas pelas crucificações. A principal delas é Pampanga, onde milhares de católicos seguem em procissões sob um sol de rachar até culminar na encenação da morte na cruz.
A crucificação é outra prática comum na Semana Santa
É neste momento que fiéis se candidatam. Há uma crença popular de que tamanha entrega traga curas e outras graças, além de expiar os pecados. Embora a Igreja Católica desencoraje a prática, há um entendimento de que se trata de uma manifestação cultural e que, portanto, não há de se proibir. O que o Departamento de Saúde faz, no caso, é alertar sobre os riscos de tétano e sobre a importância da utilização de pregos esterelizados.
Como tenho um bebê de 1 ano, ainda não viajei até Pampanga para ver a crucificação. Achei mais seguro participar das celebrações aqui em Manila, perto da minha casa. Eis algo, para mim, muito interessante no país: as procissões estão espalhadas por toda a cidade. Nós optamos por fazer a Visita Iglesia pela manhã bem cedo, de modo a evitar o calor e as grandes aglomerações. Bem, não teve muito jeito. O verão nas Filipinas é impiedoso não importa a hora. E, quanto às multidões, não é possível fugir delas quando o assunto é fé cristã.
Fiéis rezam na Igreja de S. Judas
Colar de sampaguita, flor tradicional daqui, é depositado junto a Jesus
Começamos nosso roteiro pela Igreja de Nossa Senhora de Montserrat, onde funciona o monastério beneditino. A escolha foi bastante afetiva, já que meu marido estudou a vida toda no Colégio de São Bento, no Rio. Optamos por não fazer um roteiro muito fechado das 7 igrejas. A ideia era ir andando e visitar as que fossem aparecendo pelo caminho. O percurso merece uma observação: mesmo sem mapas ou endereços, é possível saber onde há uma igreja próxima apenas seguindo o fluxo dos fiéis. É muita gente caminhando - todo mundo devidamente protegido por um guarda-sol. Vimos muitos grupos fazendo a peregrinação e era comum identificá-los pelas camisetas personalizadas, geralmente com o rosto de Jesus e o nome da família.
Passamos pela Igreja de São Judas e depois pela Igreja de São Miguel Arcanjo. De lá, precisamos pegar um triciclo (meio de transporte típico das Filipinas) para chegarmos até a Catedral de Manila, talvez a igreja mais importante, localizada na cidade histórica de Intramuros. Foi lá que encontramos a maior aglomeração de fiéis. Em geral, as pessoas param em frente a cada estação da Via Sacra e fazem suas orações. A movimentação lá dentro era bem difícil. Do lado de fora, o assédio dos ambulantes era forte. Os vendedores aproveitam a data para oferecer todo tipo de artigos religiosos.
A Semana Santa movimenta a economia local
Encerramos a jornada na Igreja de Santo Agostinho, poucos metros distante da Catedral. Era a quinta igreja que visitávamos na manhã da Sexta Feira Santa quando nosso filhote começou a se incomodar muito com o calor e o cansaço. Mesmo não tendo cumprido a rota das 7 igrejas, como manda a tradição local, fomos para casa com uma ótima recordação e com a alegria de termos feito parte de um programa tipicamente filipino.
Em frente à Catedral de Manila ao fim da Visita Iglesia
Assim que me mudei para Manila, sempre que dizia ser brasileira, as pessoas citavam não as óbvias referências de sempre: Pelé, Neymar, Gisele Bündchen. Os locais abriam seu melhor sorriso de empolgação e falavam: “Oh, Brasil! Daniel Matsunaga!”. Eu ficava sem graça por não ter a menor idéia de quem fosse essa pessoa. Intrigada, resolvi pesquisar. Descobri que se trata de um modelo nipo-brasileiro que fez carreira aqui e hoje é ator e celebridade local.
E ele não é o único. A lista de modelos brasileiros que fazem sucesso nas Filipinas é extensa. Há ao menos quatro que se deram muito bem no show business. Começaram fazendo fotos e hoje são atores/apresentadores/celebridades. Pesquisei sobre cada um deles para saber o que há de comum em suas trajetórias. Em geral, eles têm alguma ascendência oriental e começaram a carreira em outros países asiáticos - como Tailândia, Japão e China – após terem sido descobertos por olheiros no Brasil.
Daiana Menezes é uma celebridade por aqui
A precursora da chamada "invasão brasileira" foi a modelo e atriz Daiana Menezes, que vive nas Filipinas há 9 anos e hoje é casada com um político local. O pulo do gato para Daiana foi ser selecionada para um programa de auditório super popular por aqui, o Eat Bulaga (uma espécie de Silvio Santos misturado com Pânico, eu diria). A partir daí, ela se tornou uma celebridade instantânea. Passou a estampar capas de revistas e a estrelar anúncios de quase todos os produtos imagináveis.
Conheci Daiana pessoalmente durante uma festa em comemoração ao carnaval, organizada por brasileiros que moram em Manila. Dividimos a mesma mesa e ali ficou claro para mim que ela era uma celebridade. Todos a conheciam. A mãe dela, que também estava na festa, me contou que deixou o Brasil para acompanhar de perto a carreira da filha, que ganhou proporções gigantescas.
Quem seguiu os passos de Daiana Menezes foi Priscilla Meirelles, que também fez participações no Eat Bulaga e hoje é atriz de novelas num canal aberto de grande apelo popular. Priscilla é casada com John Estrada, um ator filipino bastante famoso. Paralelamente à carreira de atriz e modelo, ela dedica-se ao interessante projeto Brazilian Bakery. A marca, criada por ela, salva a vida dos brasileiros perdidos em Manila (como eu) ao vender pão de queijo, pastel, coxinha e brigadeiro. Delícia.
A modelo Priscilla Meirelles em frente à sua Brazilian Bakery
Mas voltemos à invasão brasileira. No time masculino, os maiores destaques são Daniel Matsunaga, Fabio Ide e Akihiro Sato. Todos começaram como modelos e hoje são atores. Este parece ser o principal ponto comum entre todos os brasileiros que fazem sucesso por aqui: todos almejavam entrar no mundo do entretenimento e investiram em mandar fitas para as emissoras de TV.
Fabio Ide e Daniel Matsunaga são sucesso na televisão
Neste sentido, as Filipinas têm muito em comum com o Brasil. A televisão aberta é um fenômeno aqui neste arquipélago e a programação é tão popularesca quanto a brasileira. Os filipinos amam telenovelas e programas de auditório com shows de calouros, mulheres bonitas e assistencialismo. Basicamente a mesmíssima fórmula que há décadas dá audiência no Brasil. Tanto aqui como lá, conseguir um lugar ao sol na TV é um trampolim para o estrelato.
Mas nem tudo são flores na vida dos modelos brasileiros que vêm trabalhar nas Filipinas. Como o país tem um acordo de reciprocidade com o Brasil na isenção de visto de turismo, muitos contam com isso e chegam aqui sem a permissão de trabalho, colocando-se, assim, numa situação de grande vulnerabilidade.
Sem o visto adequado para trabalhar, acabam dando margem para empregadores mal intencionados. Enquanto não emplacam, muitos modelos ganham um salário abaixo do piso e dividem kitchenettes minúsculas com vários colegas. Um cenário bem longe do glamour idealizado.
Para evitar que jovens caiam em armadilhas, o governo brasileiro preparou uma cartilha de orientações na qual descreve as principais dificuldades que têm sido enfrentadas por profissionais que saem para trabalhar fora do país.
A questão dos modelos nas Filipinas é tão premente que mereceu um tópico específico na publicação:
“Há muitos modelos brasileiros, homens e mulheres, trabalhando nas Filipinas. Não há registro de maus tratos ou exploração laboral, mas registram-se ocasionalmente casos de dificuldades. O fator mais problemático decorre do status migratório irregular de alguns profissionais. Muitos viajam ao país como turistas e começam a trabalhar antes de obter o visto adequado, colocando-se em situação de irregularidade e vulnerabilidade.”
Observando o sucesso e também as dificuldades enfrentadas pelos modelos brasileiros nas Filipinas, eu aconselharia que todos os interessados dessem uma lida na cartilha e viessem com toda a documentação correta, de modo a evitar cair na mão de aproveitadores e oportunistas. Sonhar sim e correr atrás do sonho, mas com os pés no chão e cautela.
Estive de férias em Seul, na Coreia do Sul, e fiquei impressionada com a mobilidade urbana de que pudemos desfrutar na cidade. Além do transporte público impecável, me chamou a atenção o fato de as avenidas serem largas e de os pedestres circularem confortavelmente em calçadas super conservadas. Empurrar o carrinho de bebê por lá era quase flutuar se comparado à minha experiência diária em Manila, capital das Filipinas.
Sei que a realidade dos dois países é completamente diversa e a comparação soa um tanto descabida, mas foi inevitável pensar em como faz diferença uma cidade em que se possa circular a pé de forma confortável, sem se preocupar - literalmente - com os percalços do caminho.
Aqui em Manila, tenho a sensação de que a cidade foi pensada para os carros. Ou melhor, de que não foi pensada. O trânsito é absolutamente caótico. Amigos com carro chegam a passar 4 horas do dia presos em engarrafamentos no percurso casa/trabalho, o transporte público é precário e não parece haver um esforço governamental no sentido de mudar o cenário.
Com o intuito de fugir do estresse, optamos por não ter carro. Para que tal decisão fosse viável, contamos com a sorte de morarmos a dois minutos do trabalho do meu marido. Podemos fazer tudo a pé. E é sobre isso que os nossos 10 dias em Seul me fizeram pensar.
Lembro-me de uma das primeiras entrevistas que fiz, quando ainda era estudante de Jornalismo. Lá se vão uns 12 anos. Eu conversei com uma professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília sobre a mobilidade urbana na cidade. Chegamos ao assunto das calçadas pouco conservadas em uma das principais avenidas da capital. A professora, então, citou um trecho da canção “Carioca”, do Chico Buarque, para ilustrar seu ponto:
Cidade maravilhosa, és minha. O poente na espinha das tuas montanhas quase arromba as retinas de quem vê.
No que ela emendou: “como alguém pode ter as retinas arrombadas pela paisagem se é preciso andar preocupado em não tropeçar ou não ser atropelado?”
Faz todo o sentido. Uma cidade pensada para pedestres favorece a contemplação e o encantamento.
Em Manila, as calçadas são absolutamente estreitas e, por muitas vezes, ausentes. Nesses casos, é preciso caminhar pelo acostamento, dividindo espaço com carros, jeepneys (o transporte público tradicional das Filipinas), motos e triciclos. Na época das chuvas e tufões, que dura vários meses (basicamente de junho a novembro) é preciso, ainda, tomar cuidado para desviar das poças d’água no caminho. Conseguiram imaginar? Pois é, muitas vezes é inevitável se dar mal e cair nelas. Melhor do que ser atropelado, enfim. Keep walking, Charlie Brown!
Caminhar com o carrinho de bebê, então, não é algo exatamente agradável. E olha que eu moro em um bairro com bastante infraestrutura. Minha intenção não é detonar Manila, até porque a cidade oferece uma série de coisas interessantes – sendo a principal delas, para mim, a simpatia e cordialidade do povo filipino. Mas, no quesito conforto para pedestres, não há mesmo como tapar o sol com a peneira. O único bairro em que sinto que os pedestres foram levados em consideração é Bonifacio Global City, onde há a chamada "High Street", uma rua bastante extensa, cheia de lojas e amplas calçadas. Lá não é permitida a passagem de carros.
Bom, é bem bacana, mas se trata de um centro comercial. O conforto foi pensado para que as pessoas passem momentos agradáveis enquanto olham vitrines e compram. Claro, essa dinâmica não é privilégio de Manila. Várias cidades têm suas ruas exclusivas para pedestres, cercadas por lojinhas. Mas por que não expandir essa lógica para outros espaços não ligados ao comércio?
Se eu passo sufoco empurrando um carrinho de bebê, penso que a vida de um cadeirante deva ser bem difícil em Manila. Não por acaso, nunca vi nenhum circulando pelas ruas da cidade. Talvez tenha visto no shopping, mas nunca nos espaços públicos de convivência ao ar livre. Até existe um esforço, já que algumas calçadas apresentam rampas sinalizadas. No entanto, é tudo muito incerto e irregular. Em frente à minha casa, por exemplo, há uma calçada com rampa dando acesso à pista. A calçada seguinte, por sua vez, não tem. De que adianta?
Para um simples passeio com meu filho no parque, é preciso fazer mil malabarismos para subir e descer meios-fios o tempo todo, além de prestar atenção nos carros vindos de todos os lados e que buzinam por qualquer bobagem. Em Seul, por sua vez, eu tinha vontade de sair apenas para flanar, mesmo sem roteiro prévio, certa de que a experiência seria suave.
Outro dado sobre mobilidade e acessibilidade que me chamou a atenção na capital sul-coreana: além das rampas, há frisos para pessoas com deficiência visual ao longo de todas as principais calçadas e não somente no metrô e outros pontos localizados, como acontece no Brasil. É bonito ver esse cuidado.
Sei que há um abismo que separa Manila desta realidade, mas sonho com o dia em que a capital filipina fará a opção por não privilegiar o carro e possa crescer de forma sustentável. Porque, do jeito que as coisas vão, não sei como será Manila daqui a 15 anos. Penso que a mobilidade será impossível ou, ao menos, muito sofrida.
Para 2016, portanto, desejo que possamos caminhar mais e contemplar mais, sem medo – seja da violência urbana ou do caos do trânsito. Que nossas retinas sejam arrombadas pelas belezas cotidianas escondidas na correria nossa de cada dia. Amém!
Talvez soe macabro, mas a experiência de um funeral em terra estrangeira pode nos dizer muito sobre a cultura local. Uma pessoa bastante querida por mim aqui em Manila perdeu o pai estes dias e fui convidada a participar dos rituais de despedida junto com a família e amigos. Tristeza à parte, procurei observar como os filipinos lidam com a morte. Acho interessante pensar como o luto se constrói em diferentes culturas. O choro é autorizado? A passagem é vista com mais pesar ou mais leveza? Com essas perguntas em mente, fui prestar minhas condolências numa manhã ensolarada de sábado.
A primeira coisa que me chamou a atenção foi o fato de o enterro só acontecer uma semana depois do falecimento. Em vez da missa de sétimo dia, como seria no Brasil, eles fizeram uma missa de corpo presente seguida de um cortejo até o cemitério. É que a maioria das famílias filipinas tem algum membro morando fora do país, em busca de melhores oportunidades. Por isso o costume de embalsamar o corpo de quem falece e velar em casa durante o período necessário até todos os parentes chegarem. Pode ser uma semana, pode ser um mês. Só depois acontece a missa e o enterro.
A missa se parece muito com uma missa de sétimo dia, com a diferença de que o caixão fica aberto no altar, com um vidro cobrindo o corpo. Em cima deste vidro, fica um porta-retrato com uma imagem da pessoa falecida. No fim da missa, a família e amigos são chamados para o altar e fazem uma fila. Um vidrinho de água benta é passado de mão em mão e cada um joga um pouco sobre o caixão.
Nos funerais tradicionais, como foi este que acompanhei, há um cortejo que sai da igreja e segue até o cemitério, guiado pelos musikeros, uma espécie de banda militar. Ao som dos instrumentos de sopro, seguimos pelas ruas estreitas de Hulo, em Mandaluyong, um bairro humilde formado em sua maioria por casas e sari-saris (as típicas "vendinhas" filipinas).
Crianças observam a passagem do cortejo ao lado de uma típica sari-sari
Moradores, incluindo muitas crianças, se aglomeravam na calçada para ver a banda passar. O que me chamou a atenção foi o fato de muita gente jogar moedas na direção do cortejo. Perguntei a minha amiga o significado deste gesto e ela me disse que era uma maneira de demonstrar respeito. A família não pode pegar as moedas jogadas. De dentro da multidão, observei que não havia aquele clima pesaroso que costuma marcar os funerais no Brasil. O grupo ia conversando e tirando fotos pelo caminho. Ninguém chorava de soluçar. Era como se eles já tivessem tido tempo de elaborar um pouco mais o luto durante o período em que puderam velar seu ente querido em casa.
Os musikeros costumam estar presentes nos funerais mais tradicionais
Chegamos ao cemitério debaixo de um sol de rachar. O caixão foi retirado do carro funerário e, então, aberto novamente. Familiares aglomeraram-se ao redor e calmamente começaram a retirar as fitinhas roxas que estavam presas com alfinetes no forro do caixão. Cada uma trazia o nome de um familiar. As fitinhas foram colocadas dentro de um saco plástico, que foi enterrado junto, seguindo a tradição. Eles também colocam dinheiro junto, o que é uma maneira de demonstrar respeito.
Após a organização do saquinho com as coisas que também seriam enterradas, finalmente tiraram o vidro que cobria o corpo. Um gesto firme e certeiro. De forma súbita, todos que estavam em volta aparentemente tranquilos, inclusive tirando fotos e filmando, começaram a chorar convulsivamente. Algumas pessoas passaram mal e precisaram ser amparadas.
Carro fúnebre acompanhado pela banda é quem puxa o cortejo
Foi neste momento que compreendi: a dor estava ali o tempo todo, forte. O momento em que o vidro foi retirado de certa forma autorizou a catarse. É como se a última proteção tivesse ido embora; a última coisa que o mantinha ali, aos olhos de todos, ainda presente. Agora era preciso encarar. O caixão seria fechado para sempre. Dar-se conta do "para sempre" deve ter sido, ali, a raiz daquele choro coletivo.
Fiquei um tempo sentada ao lado da minha amiga, amparando-a. Não havia muito o que dizer. Alguns minutos depois, fomos ao encontro do grupo, que participava do último ritual de despedida. O caixão já havia sido colocado numa espécie de gaveta vertical e cada um jogava uma flor lá dentro, da mesma forma como acontece no Brasil. Ela me confiou uma flor e eu joguei em memória do pai dela, com todo meu carinho e respeito.
Voltei para casa profundamente tocada pela experiência. Pensando que, sim, chegar e partir são só dois lados da mesma viagem. Eu, que tive meu bebê aqui nas Filipinas e pude presenciar o milagre do nascimento nesta terra, pude ver de perto como é encarada a morte. Foi forte. Mas o mais forte foi, diante de todos os simbolismos presentes, ter a chance de ver um pouco do país ser revelado para mim. Sinto-me finalmente mais conectada com a cultura local. Compartilhar a dor, neste caso, me foi uma ponte. É sempre pelo afeto que vamos.
Como diria Simone, a cantora por muitos anos onipresente nos lares brasileiros durante o mês de dezembro: então é Natal. Pois é. Aqui nas Filipinas, no caso, é Natal desde setembro. Sim! Não tem CD da Simone, mas tem canções natalinas tocando alucinadamente em todas as lojas e shoppings desde o primeiro mês com a terminação “- bro”. Setembro, outubro, novembro e dezembro. Quatro meses de intenso espírito natalino. Quatro não, cinco, porque a decoração vai até janeiro. Quem não gostar de Natal terá muitos meses de “sofrência”. Como eu gosto, confesso que me divirto com a empolgação filipina com a data. Este será o segundo Natal que passo aqui. Agora já sei como a banda toca e, por isso, estou mais tranquila. No ano passado a experiência foi meio tensa. Isso porque eu, que estava aqui há apenas dois meses, queria porque queria reproduzir o meu Natal do Brasil em Manila. Eu sonhava com uma ceia como a que eu costumava ter em casa com a minha família. Queria a rabanada. O chester. As castanhas. Hoje, com o distanciamento temporal, eu percebo que eu queria mesmo era o conforto do que me era conhecido ao menos na ceia de Natal. Eram tempos de muitas transformações e fragilidade: gravidez, mudança, saudade. Que ao menos meu chesterzinho, minhas nozes e minhas cerejas estivessem ali! Saí em busca dos ingredientes para a ceia. Encontrar um peru de Natal foi uma missão impossível. Deve até ter por aqui, mas eu, que estava em Manila há pouquíssimo tempo, ainda não tinha nenhuma dica quente para salvar a pátria. Lembrei-me do chester. Também não achei em nenhum supermercado. Só encontramos uns presuntinhos caramelizados estranhos. Resignados, fomos de presunto mesmo, com aquela mentalidade “é o que tem pra hoje”.
Nossa primeira ceia de Natal nas Filipinas: resistência à cultura local.
As castanhas aqui estão pela hora da morte! Compramos um pouquinho, só pelo conforto espiritual mesmo. Nozes, amêndoas e pistache. Ah, sim, há algo que eu preciso dizer. Esqueçam aquelas prateleiras lotadas de castanhas que vemos nos supermercados brasileiros. Por aqui encontramos apenas castanhas enlatadas, tipo petisco de festa. Horríveis, mas estava valendo. Garimpamos também umas cerejas. Preparamos arroz com amêndoas, cuscuz marroquino e salada. Para a nossa primeira ceia longe de casa, estava ótimo! Recebemos uma amiga filipina e falamos com a nossa família pelo Skype. Uma coisa que me ajudou muito a sair do sentimento "no Brasil é tudo melhor" e a me conectar com a cultura local foi a visita que fizemos a uma instituição de caridade em Antipolo, que fica numa província bem próxima. Fomos com dois amigos brasileiros que já moravam aqui há mais tempo e conheciam o padre responsável pelos projetos sociais por lá. Esses amigos, aliás, nos inspiraram demais na abertura afetiva para as Filipinas. Participamos de uma festa de Natal com as crianças e foi uma injeção de ânimo. Saímos de lá revigorados e felizes. Vi o quanto as minhas castanhas eram insignificantes. Danyella, você está em outro país! Acorda, criatura!
Crianças na celebração de Natal em Antipolo
Neste ano, vejo que já estou bem mais aberta à cultura filipina. É bem provável que a gente asse um lechon, que é o prato típico daqui servido nas ceias natalinas. Agora que tenho um grupo de brasileiras incríveis para chamar de amigas, vou propor um monito monita, como é chamado o amigo oculto por estas bandas. Confesso que estou vendo beleza na decoração antecipada e já consigo identificar o que é característico do país, como as belas estrelas penduradas nas fachadas dos prédios, conhecidas como parol.
Nossa árvore com o simpático Papai Noel Filipino, de roupa típica e parol na mão
No parque aqui perto de casa, certamente iremos curtir o festival de luzes organizado todo ano e que atrai centenas de visitantes. Acho bonito. Em uma cidade em que a vida parece girar em torno de shoppings, principalmente no Natal, os filipinos saem de casa simplesmente para contemplar. E, claro, postar nas redes sociais! Afinal, estamos na Ásia. Entre os milhares de paus de selfie, vai ser divertido ressignificar o Natal, sobretudo com a presença do nosso filhote fora da barriga. A todos vocês, meu desejo é um fim de ano com a alma mais leve e aberta para o novo, como a minha neste segundo Natal nas Filipinas.
Festival de Luzes no registrado pelos filipinos, que adoram tirar fotos para redes sociais
A música é um elemento muito presente na minha relação com o Lipe, desde que ele estava na barriga. Eu sempre lia que era importante conversar com o bebê, mas confesso que achava estranho e, sempre que tentava, batia aquela sensação de estar falando sozinha. Em vez de me sentir culpada, busquei perceber quais eram as nossas formas de conexão, independentemente do que era esperado.
E aí percebi que era a música.
Eu sempre cantei muito para ele. A primeira música que cantei muito quando descobri que estava grávida era Debaixo D' Água, do Arnaldo Antunes, na versão belíssima da Maria Bethânia. Imaginá-lo na minha barriga se formando como um feto, sereno, confortável, amado, completo era algo que me enchia de ternura e me emocionava demais a cada vez que a música tocava. Bom, eu tenho uma história com essa canção há muitos anos. Ela fala à minha alma de quem vive no embate entre o salto no abismo e o que me é protegido. Mas tinha que respirar...todo dia! A música assim me ensinou, e eu fazia questão de frisar esse trecho a cada vez que cantava para o filhote.
Por falar em Arnaldo Antunes, ele foi um dos primeiros arrebatamentos do Lipe. Sim, com apenas uma semana de vida o pequenino já demonstrava o que gostava de ouvir. Um dos discos favoritos dele para a hora de mamar era Qualquer. Embalados pela voz rouca e pela poesia, lá íamos nós madrugada afora, com meu celular do lado fazendo as vezes de caixinha de música. Sempre lembrarei desse álbum com muito carinho. Para mim, ele é sinônimo da construção do nosso vínculo, nós dois ainda desajeitados e nos conhecendo.
No fim da gravidez, me lembro de cantar muito Beautiful Boy, do John Lennon. Essa música me toca por muitos motivos. O mais óbvio é a levada lullaby fofinha, mas essa é só a primeira camada. O que me encanta mesmo é a letra. Acho que, no fundo, eu sempre quis ter um filho só para cantar essa música para ele. Eu cantava para o Lipe e me emocionava por ele ter um pai super presente, que o enchia de amor ainda na barriga. Quando Lennon falava the monster's gone and your daddy is here, eu não conseguia segurar o choro. A música também fala da ansiedade pelo que vai acontecer - e ansiedade era do que eu mais entendia naquela reta final de gravidez. I can hardly wait to see you come of age but I guess we both just have to be patient 'cause it's a long way to go...! A letra fala da ansiedade, mas dá o antídoto: but in the meantime. Aproveitar o "enquanto isso", o "enquanto ele não nasce", o agora. Afinal - e agora vem o trecho mais incrível e mais certeiro - life is what happens to you while you're busy making other plans! Até hoje canto essa música para o Lipe e ele adora!
Ainda na leva Beatles, gosto de cantar Golden Slumbers na hora de dormir. Golden slumbers fill your eyes/ smiles await you when you rise/ Sleep little darling, do not cry/ I'll sing a lullaby. Ele vai fechando os olhinhos devagar até adormecer. Beatles versão lullabies, aliás, é trilha obrigatória aqui em casa. Apesar de eu amar a versão original dos Beatles, gosto muito da do Ben Folds, que está na trilha sonora maravilhosa de I am Sam.
Se vocês estão pensando que só tem Beatles e Arnaldo Antunes na setlist do Lipe, estão enganados. Aqui rola muita cantiga de roda. Minha mãe trouxe um disco do Brasil com as cantigas clássicas da nossa infância. A favorita do Lipe nas primeiras semanas foi A Barata. Ele só dormia com essa! João teve que sacar essa música do repertório no primeiro dia em que resolveu descer com Filipe até a cafeteria aqui do lado. Lipe abriu o berreiro...e só a música da barata salvou! Aqui vai a versão do Palavra Cantada, que recomendo fortemente a todos com filhos pequenos - e a todos sem filhos que gostem do universo lúdico, por que não? Essa turma é incrível e ponto.
Depois Lipe enjoou da música da barata e o esquema infalível aqui passou a ser O Galinho. Só que aí começaram a surgir as variações. Eu e João amamos inventar letras em cima das músicas que já existem. Em geral, nada muito criativo...coisas como "O Filipe é bonito", "ele é muito pequenino" e por aí vai. São frases-valise que sempre se encaixam em qualquer letra de criança. Mas às vezes nós nos superamos. Como nesta versão de O Galinho. É que, aqui nas Filipinas, briga de galo é legalizada. E é muito comum as pessoas terem galos para colocá-los para lutar. Além disso, preciso explicar que o traje típico daqui para homens chama-se barong. Daí que a música ficou assim:
Mr. Xun tem um galinho, lalá
Ele é pequenininho, lalá
Mr. Xun lalalá, o galinho, lalá
Galinho Mr. Xun
Ele usa um baronguinho, lalá
Todo desalinhadinho, lalá
Mr. Xun, lalalá
O galinho, lalá
Galinho Mr. Xun
Ele luta num ringuinho, lalá
E é muito fracotinho, lalá
Mr. Xun, lalalá
O galinho, lalá
Galinho Mr. Xun
Pronto, já registramos nossa pérola para a posteridade. Dever cumprido :P
Filipe é um bebê eclético e as versões vão das cantigas de roda ao reggae de raiz brasileiro. Por isso na hora de trocar a fralda a trilha sonora é Árvore, do Edson Gomes, que ficou assim:
Vem me trocar, mãe!
Vem me trocar!
Vem me trocar, mãe!
Todo santo dia, pois todo dia é santo
E eu...sou um bebê boniiiiiiiiito!
Que precisa ter os seus cuidados
Vem me trocar, mãe!
Vem me trocar!
Vem me trocar, mãe!
P.s.: Essa música tem variações e às vezes é cantada no banho, sob a forma de "vem me banhar, pai!"
Quem me conhece sabe que, quando eu era bebê, eu era ninada pela minha babá (alô, Irene!) ao embalo de Galeguinho dos Zói Azul, do Genival Lacerda. Acho que isso diz muito sobre a minha personalidade, rs. Minha mãe diz que ficava impressionada. "Como a menina consegue dormir com essa música agitada?", ela se perguntava. Pois é. Eu conseguia. E aí, sem nem perceber, lá está a pessoa aos 31 anos de idade cantando um forró-frevo para Filipe dormir. Pagode Russo, com o mestre Gonzagão!
Daí eu me empolgo e emendo um medley com vários outros frevos e clássicos dos meus carnavais: Voltei, Recife; Vassourinhas; o Hino do Elefante de Olinda; Frevo e Ciranda; Lia de Itamaracá; alguns cocos e maracatus. No auge do baticum é que percebo que são músicas agitadas e que talvez eu devesse estar cantando algo mais calmo. Aí o que eu faço? Em vez de mudar o repertório, mexo no andamento das músicas e canto o frevo assim calminho, baixinho e bem devagarinho até virar canção de ninar.
Para fechar, tem Senhor Cidadão, do Tom Zé, que sempre cantamos na hora de mamar. A letra é bem punk, mas a versão do Lipe ficou assim:
Ó, senhor bebezão!
Eu quero saber, eu quero saber
Com quantos litros de leite
Com quantos litros de leite
Se faz o meu biberão
Inventar músicas e cantar junto com o João para o nosso filho é, sem dúvidas, um dos meus momentos favoritos. São letras que podem não fazer sentido algum para quem está de fora, mas que nos divertem por trazerem vários caquinhos de coisas que vivemos e recolhemos aqui e ali. Por isso são tão especiais! Assim que o Lipe estiver maior, vamos convidá-lo a inventar letras, inventar histórias, inventar o mundo! E assim vamos, juntos, ampliando nossa caixinha de música.